Boas histórias se repetem

Written by: Coluna Destaque

Embora, oficialmente, o Dia dos Pais tenha sido ontem (08/08), não é por isso que hoje deixarei de contar uma história que dialoga com este momento.

Ouço desde criança os relatos de minha mãe sobre meu avô Anísio. Nas palavras dela, ele estava sempre “mangando” de alguém ou contando anedotas para tirar sarro da cara das pessoas. Vivia assim: de piada em piada, de riso em riso. Isso, claro, enchia a casa de alegria e muitas e altas risadas.

Embora eu só tenha tido contado com meu avô quando criança – antes de vir para São Paulo em 1991, confesso que tenho ótimas lembranças dele – e não à toa, todas elas envolvem histórias no estilo “quem conta um conto aumenta um ponto”.

Sim, ele era a expressão do júbilo solto daquele pequeno povoado no interior do sertão do Piauí. O vilarejo ainda existe até hoje, embora esteja bastante diferente de épocas atrás. Mas a essência da vida que ali existe, ainda é a mesma (para nossa sorte e boas recordações).

Seu Anísio era uma boa carta marcada!

Ninguém passava ileso às suas histórias hiperbólicas. Se houvesse Internet e Instagram naquela época – podem acreditar – ele seria um digital influencer mais espontâneo e famoso que a Juliette, e com certeza carregaria o charme das belas palavras do Bráulio Bessa.

Além da rede na varanda, que ele balançava de um lado a outro enquanto via o dia passar, lembro-me também, da reverência cultural que todos lhe tinham quando vinham visitá-lo:

— Bença, seu Anísio!

— Deus te abençoe!

E logo depois de um café passado e uma cadeira puxada, o riso corria solto. Uma mosca que passasse voando já era motivo para uma epopeia. Suas vítimas eram os filhos, os netos, os vizinhos, os amigos de infância, a esposa, e até os desconhecidos que parassem para pedir uma simples informação ou copo d’água.

– De onde saiu essa criatura com cara de fastio? – dizia depois que o estranho se afastava do alpendre e na sequência emitia uma gargalhada daquelas.

Sim, ele era um celeiro fértil de histórias inesquecíveis. E até hoje, mais de 20 anos depois de sua morte, ainda rimos aqui em casa das coisas que ele contava e aumentava com tanta criatividade e bom humor.

Mesmo aqueles que, eventualmente se ofendessem num primeiro momento, depois de um tempo – e dada à fama e consideração que todos ostentavam por ele – logo deixavam a bronca de lado. Quando muito, ficavam alguns dias sem aparecer por lá.

Leia outros Textos de Ellen Costa e Paula Jones:
– As lágrimas que não contamos
– O poder que tem as palavras
– Não tenha medo de perder (e recomeçar)

Minha mãe conta os causos que viveu na infância e adolescência, e caímos na risada. Às vezes as lembranças acabam em lágrimas (mas isso também faz parte). Meus tios contam e não nos aguentamos de rir. Nós, netos, também nos lembramos de algumas narrativas, inclusive daquelas que envolvem nosso precioso e vulnerável “santo” nome.

Mesmo quando a vítima somos nós, o riso mais uma vez toma nosso rosto.

Além desta grande e saudosa característica, minha mãe também sempre diz que ele era seu “grande amigo”. Confesso que não vejo mais com tanta frequência os filhos de hoje falarem isso de seus pais. Os tempos mudaram muito (e nesse quesito, não necessariamente para melhor). E por isso, sempre fico emocionada com este veredicto.

Grande amigo! De fato, ter um pai como amigo deve ser algo louvável e muito bem cultivado.

Mesmo quando às vezes ele não a deixava ir a uma festa na juventude, ela conta com saudade. Mesmo quando o acompanhava à roça para trabalhar árduas horas sob o sol escaldante de 40 graus, ela relata emocionada. Mesmo quando ele não autorizava que ela fosse para a escola aprender as letras, sua lembrança é saudável. Mesmo quando precisava de um corte novo para um vestido e ele não podia comprar, sua admiração não mudava.

Ela preferia sua companhia ainda que o sol ardesse sob o lombo, e que a comida fosse apenas feijão com farinha – mesmo que diversão fosse limitada. A presença dele lhe trazia sentido e confiança.

Ela também relata que ele a defendia da tirania exagerada da minha avó, Ana. Esta já era pavio curto e não economizava na “pea”, um “chiqueirador” de couro que bastava uma lapada para o estrago ser grande.

Mas ele, não. Era complacente, justo. Preferia o diálogo. Era amigo.

Outras boas referências

No final do ano passado, o pai de uma amiga de longa data, Tatiane, foi morar com Jesus. Ele tinha 76 anos e nos enchia de alegria nas participações que fazia nos encontros da igreja. Sua oração era sempre de cabeça baixa e de pé em reverência ao Criador.

Seu Zé era querido por todos nós e eu, por falta de avô por perto (e vivo), costumava chamá-lo de vozinho. Mas filhos e netos amorosos não lhe faltaram. E nem uma esposa apaixonada e companheira mesmo depois de 50 anos de matrimônio. E ela ainda sofre sua ausência recente.

Quando alguém perguntava se estava tudo bem, seu Zé sempre respondia de forma irreverente.

— Tirando o que está ruim, está tudo bem!

Sim, ele tinha razão quanto a isso. E assim, nós também seguimos imitando seus dizeres muitas vezes depois, com bom humor e gratidão à vida.

— Tirando o que está ruim, está tudo bem!

Nestes últimos dias conversei com uma amiga querida que mora na Bahia. Ainda não a conheço pessoalmente. Simone [Souza] me contou que sente muita falta e saudade de seu pai, falecido há pouco tempo. Ela repetiu as palavras da minha mãe: “além de um bom pai, ele era também meu melhor amigo”.

Amei saber disso!

Outro amigo do Rio de Janeiro (que também não conheço pessoalmente), até chorou ao vivo no Instagram ao falar do lançamento do seu livro “Páginas para meu filho”, que se trata de uma homenagem singela para seu pai – falecido há poucos anos.

Junior [Pedroz] também tomou emprestada a frase que sempre ouço da minha mãe (repetida pela Simone e pela Taty ) e ainda acrescentou que “seu pai não sabia ler, nem sabia escrever, que veio do Nordeste, mas que o ensinou a traçar seu caminho e a ser a pessoa que ele se tornou”.

Coisa linda demais, não?

Assim, esta autora fica excessivamente emocionada!

E com esses relatos só chega a uma possível conclusão: é impressão minha ou as boas histórias parecem que estão se repetindo?

Antes de finalizar, deixo abaixo a canção que com certa frequência minha mãe cantarola pela casa quando a saudade do meu avó lhe faz companhia:

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Tags:, , , , , , , , Last modified: 13 de agosto de 2021

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora