Anjo lindo, leia esta carta direitinho

Written by: Coluna Destaque

Há quase meio ano, estamos sem o sorriso grandioso e espontâneo do Jonas, o Tchoi para a galera que o ama e teve o privilégio de conhecê-lo.

Possivelmente o mais carinhoso e grudento da turma, uma característica daquelas que fazem falta na vida – sobretudo em tempos de amores líquidos e amizades descartáveis.

Minha mãe contou outro dia um episódio interessante e furtivo à minha lembrança: ela estava com dores na coluna ao longo da noite, e assim que a madrugada entrou, eis que a danada da lombar resolveu travar de vez. Uma dor insuportável em uma época em que não tínhamos carro, Uber nem sequer era projeto e o Samu levaria horas para vir socorrê-la. Se viesse!

Paulo e Jonas, a dupla dinâmica de sempre, estavam em casa – ainda não haviam ido embora, mesmo eu já tendo expulsado-os várias vezes.

A solução encontrada por eles foi levá-la “no ombro” ao pronto-socorro. Mas como a coluna travada exige cuidados específicos, o Jonas sugeriu que ela fosse sentada na cadeira e ele e o Paulo levassem a cadeira suspensa. Agora pensem na cena e no trabalho que esses dois enfrentaram até chegar ao local desejado.

E a caminhada até o PS do Jardim Silveira (Barueri) não era nada convidativa. Ainda mais carregando “pedras nas costas”.

Eles suspendiam a cadeira com ela e andavam uma certa distância. Colocavam-na no chão, respiravam, bebiam água, e novamente seguiam adiante.

Uma aventura para poucos, mas o plano deu certo! E ganhou a simpatia de pessoas que passavam na rua e dos carros que paravam no semáforo.

Sentimentos e relacionamentos intensos

A Flávia (agora viúva), a Yasmim e o Eduardo, talvez, tenham sido os que mais experimentaram isso. E com requintes de crueldade afetiva, posso apostar.

Fico imaginando ele jogando o Eduardo para cima como se fosse uma folha de papel, brincando com ele como se ambos tivessem cinco anos de idade ou jogando vídeo game com a Yasmim (e brigando com ela) se perdesse para uma garotinha ou se desse conta de que a discípula havia superado o mestre. As conversas sobre anime entre eles devia ser nerd nível hard.

Outro dia o Paulo estava chateado e choroso da falta dele. Ele disse, em meio a um momento de revolta e incompreensão, que o Jonas partiu na melhor fase da vida dele. Que ainda era muito jovem, tinha sonhos e projetos para executar. E que isso não parecia justo!

Pois é. Vivemos em um mundo decaído…

Embora todos nós ainda o quiséssemos aqui, eu vejo sua ida com “bons olhos”. No sentido do Jonas ter sido intenso em seus sonhos e planos. De ele não ter procrastinado o amor surgido diante de seus olhos – de ter percebido essa chance e agarrado-a com todas as forças.

De ter trabalhado com o que gostava, viajado para lugares que o fizeram feliz, recebido amigos em casa, rido com eles… barulho e mais barulho por causa de futebol.

Ri muito do relato da Flávia de como ela abocanhou o melhor partido da cidade: se conheceram por meio de um aplicativo (me indica qual rs).

Ela disse que ele estava querendo ir embora de São Paulo, e ela meio perdida quanto às coisas do coração, e ainda por cima com uma filha pequena para criar.

Logo no primeiro encontro, o Jonas já foi testado. E provou sua nobreza!

Ele saiu do Silveira (numa ponta de Barueri) e foi parar no Mutinga (na outra ponta da cidade, já na divisa com Osasco). Uma quebrada daquelas que nosso bom senso evita frequentar, devo dizer.

Ele ficou mais de duas horas esperando por ela em um ponto de ônibus e assim que se encontraram, ela não esperou nem 15 minutos para jogar a bomba relógio no colo dele: disse ali mesmo que tinha a Yasmim na bagagem (e que não entraria no trem sem ela).

E se vocês pensam que ele se intimidou ou pediu apoio aos universitários, erraram!

Ele dobrou a aposta!

Esse Jonas era mesmo uma figura. Ah, que vontade de bater nele!

O Geraldo e eu tínhamos combinado de dar uma surra nele assim que saísse do hospital. Ele seguraria e eu bateria (o contrário sem chance). Tudo isso para ele parar de fazer a gente se preocupar, chorar, achar que o estado dele era mesmo grave.

Infelizmente não tivemos essa oportunidade. Nosso amigo apressado acabou arregando…

Se não fosse a famigerada Covid-19 e suas implicações, o Jonas ainda estaria movendo céus e terra para fazer da sua vida o melhor que poderia ser. Disso não tenho dúvidas!

Como eu disse ao Paulo no dia em que conversamos, ele ter ido embora no auge do “sucesso” só diz a nós o quanto vale pagar o preço por nossas escolhas. É o legado que deve servir a nós de inspiração: sermos também sinceros e empenhados naquilo que queremos viver.

Pior seria viver uma vida pequena. E isso, meus queridos, não foi marca daquele gorducho que eu tive vontade de jogar pela janelas muitas vezes.

Outro dia minha mãe me mostrou um áudio da dona Zuleide (mãe dele). Neste dia ela estava estristecida, cabisbaixa e remoendo lembranças. Disse que as coisas estavam sem sentido e que sentia muita falta dele. Dona Zita (mãe postiça), me perguntou: O que eu respondo para ela? O que se diz a uma mãe para consolar a ausência do filho?

Eu disse: Diga a ela que está aqui e que entende sua dor. Faça o que o apóstolo Paulo disse em Romanos 12:15 (Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram).

Nesse momento e em tantos outros à frente, é isso e apenas isso que devemos fazer. Oferecer o ombro, o consolo, a presença, um simples “eu sei que dói e que ele faz falta. Aqui também está doendo”.

Isso é o bastante!

O luto é mesmo uma coisa estranha

Ele vem sem ser convidado. Senta-se no nosso sofá mesmo sem ter espaço. Se infiltra nos nossos olhos nas situações mais improváveis. Ainda estamos aprendendo a lidar. Alguns mais, outros menos…

Eu não sei vocês, mas às vezes me sinto insensível – afinal, nossa vida e nossas muitas demandas continuam. Nada para porque a família X ou Y está enlutada. Todos nós estamos seguindo – até porque parar também não mudaria a realidade (e nem a faria menos dolorosa).

A Flávia disse que, embora estranho, é como se ele ainda estivesse aqui. Ela lembrou que tudo que ia fazer, conversava com ele, antes ou depois, para ter sua opinião, e que ele resolvia tudo. Eu adorei ouvir isso. Singelo!

Mesmo no trabalho dela, ele era seu braço direito, apesar de não trabalhar ou ter qualquer proximidade com a área dela.

Ela também disse: “Não ter o grito dele, a cara de sono e os resmungos rotineiros acaba comigo”.

Antes de dormir caem várias lágrimas.

“É inevitável não pensar como ele estaria agindo e me ajudando com a nenê” (a boneca Eliane que nasceu há dois meses para alegrar a caminhada).

Eu posso apostar que ele não estaria nem pisando no chão!

Piquerucha Eliane (legado Jonas e Flávia).

Quando fomos conhecer a nova integrante de seu legado, minha mãe chorou ao vê-la tão gostosa, inocente. Mergulhou na saudade.

Outro dia viu fotos da Eliane no Facebook e disse: os olhos são todinho dele.

“As pessoas não morremficam encantadas… a gente morre é para provar que viveu”

Guimarães Rosa definiu bem!

E como esse cidadão, Jonas Mendes Ferreira, viveu! Provavelmente por isso sua ausência é tão sentida, doída em cada palavra que escrevo aqui.

Por muito tempo eu vi o Jonas como mais um filho da minha mãe e, claro, tinha vontade de mandá-lo crescer e me deixar em paz. Ele me irritava muitas vezes. E quando conseguia alguma vantagem sobre mim, ah, eu queria morrer!

Minha mãe o tratava como um bebê grande. E ele sempre tirava vantagens disso (insuportável!).

Ainda bem que entendeu minha chatice e cresceu. Se tornou um gigante em muitas coisas.

“Ele era um paizão para a Yasmin e para o Dudu, mas principalmente pro Dudu. Vivia cansado, mas era mais fácil ele ceder às vontades dele do que eu”, disse Flávia.

Por que isso não me surpreende?

Quando ele veio em casa certa vez, minha mãe perguntou do Eduardo e ele disse: “Tá esperto demais, se bobear, bate até carteira!”

E minha mãe, claro, retrucou: Pelo amor de Deus, não fala isso!

“Ele vivia brigando com a Yasmin, mas ao mesmo tempo, era ele quem dava atenção para as conversas sem lógica dela”.

Que lembrança gostosa de se deixar registrada.

“Eu era a chata; ele, o descolado!”

Leia também:
Hoje faz um mês que o Jonas está longe de casa…

Um dia dos namorados diferente…

Jonas e Flávia no casamento. Foto: Ellen Costa

Flávia disse que junho é um mês, especialmente crítico, para sentir falta do Jonas.

Eles começaram a namorar no dia 08 de junho e se casaram no dia 21 de junho. Eita mês bom!

“Numa de nossas viagens, fomos ao Beto Carrero e também para Olímpia, dois lugares que ele adorava e queria repetir em momentos de família, só a gente mesmo. Mas a mais marcante foi a viagem que fizemos para a praia, em novembro do ano passado (bem recente ainda), só nós quatro e a Eliane na barriga. Estávamos bem, aproveitando a companhia um do outro e a nova gravidez”.

Ela ainda sabe especificar ao certo de onde vem a força para passar por esse momento e confessa que há momentos em que briga com Deus por ter levado-o, por ter tirado-o dela. Mas logo em seguida pede desculpas porque Deus sabe o que faz (ou permite).

“O Jonas poderia estar sofrendo agora se tivesse sobrevivido, não sei… “.

Os amigos dele (muitos) e também os dela e as próprias famílias, de ambos, ajudam a fazê-la ou mantê-la forte nesse período. Além disso, o mais óbvio: o Dudu e a Yasmin são faróis da esperança.

“E a chegada da Eliane me faz continuar comendo, me faz levantar para tomar banho mesmo quando não quero muito”.

Ele sempre foi muito alegre, embora muito nervoso também. Era fácil irritá-lo!

“Até agora não tenho conseguido ficar muito tempo na sala de casa, porque ali era o principal canto dele, ali ele se esparramava no sofá e assistia a vários vídeos. Não sei como tinha saco de ver tanta coisa aleatória”.

Eu atribuo essa capacidade eclética à calculadora que ele carregava no cérebro. Socorro!

Ele era bobo, feliz, espontâneo e amigo!

“O Eduardo quer tudo que pertencia ao pai, desde um parafuso até o notebook; a Yasmin sente falta das conversas e até das broncas que levava”.

A saudade é outra coisa estranha! Um pouco mais palatável, mas nem por isso mais fácil.

Outro dia sonhei com ele no portão da minha casa. Estava feliz, sorridente, me abraçava. Quando beijava minha testa com ternura, eu lembrava que ele não estava mais aqui. Acordei chorando.

Não sei ao certo quantos namoros Jonas e Flávia comemoraram juntos, antes e depois de se casarem, mas penso que neste Dia dos Namorados de junho de 2022, há de se comemorar as boas lembranças vividas. Pelo mês do início do namoro, pela data do casamento. Pela chegada da Eliane. Pela família tão presente.

Alguém disse certa vez que aquilo que fazemos na vida – de bom ou de mau – nunca é apagado ou esquecido. Que fica gravado na tábua do tempo.

Na metáfora da vida, e no caso do Jonas, eu aposto que esse brinde seria regado à Coca Cola ou café! 🙂

Gostou do texto? Deixe um comentário abaixo e compartilhe com amigos.

(Visited 220 times, 1 visits today)
Tags:, , , , , Last modified: 12 de junho de 2022

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora