Texto de Maria Zita (mãe postiça do Jonas)… alguém que por ele sentiu as dores do parto… e agora a latente dor da ausência…
Cedo demais, Jonas. Você nos deixou cedo demais…
Outro dia assisti um vídeo e nele o cara dizia que “A dor iguala todos os seres humanos”. Isso fez sentido para mim.
Ele discursou… “A dor iguala todos os seres humanos; não importando se é rico, pobre, preto, branco. Dor é dor! Perder um filho, se você for espírita, católica ou evangélica, dói igual. A dor nos iguala. Só tem um detalhe na dor. Eu só sinto a minha. E uma dor reflete em mim, se ela estiver ligada a alguém que eu amo, daí então eu vou sentir uma dor moral. Mais a dor só a pessoa sente. E devemos sempre pensar no sofrimento do outro sabendo que ela merece nosso respeito”.
A dor é uma coisa esquisita de se imaginar; uns sentem mais; outros, menos.
Às vezes precisamos perder as pessoas para saber o valor que elas têm. Que bobos somos por isso, não? Às vezes as pessoas precisam morrer pra gente saber o valor que elas tinham, e o quanto essas pessoas eram importantes para nós. E o lugar que elas ocupavam em nossas vidas.
Assim como outras pessoas, grandes perdas marcaram minha vida. Digo que algumas delas são insubstituíveis.
Lembranças e saudades
Pai
Um dia qualquer do mês de abril do ano 2000, era um dia de trabalho como outro qualquer, quando recebi a notícia do adoecimento do meu pai, o velho Anísio. Quem o conheceu sabe o quanto era gaiato e acolhedor. Para saber mais, leia: Saudade de alguém que sempre esteve na minha vida e faz muita falta…
Ainda que acompanhando seu sofrimento de perto por um mês (fiquei no hospital ao seu lado), aquela situação do coma, vê-lo piorando, três meses e seis dias passados hora a hora, digo que mesmo assim foi um choque imenso quando chegou a confirmação da sua partida. Da sua morte.
Ele estava muito doente, é verdade. Mas era meu pai. E naquele momento, eu não perdia somente meu pai, também perdia um amigo, um companheiro de trabalho árduo (daqueles de roça do sertão), de sol a sol. Era também meu mentor, protetor e também meu conselheiro.
Ainda falamos dele aqui em casa quase todos os dias… Algumas vezes apenas rimos das histórias que ele contava ou inventada a gosto do freguês. Noutras a gente ri, mas no final também chora. Faz parte, né?
Amigo de luta e trabalho
Em 2002, mais uma decepção a vida nos reservou. Desta vez com a partida de um grande companheiro de trabalho e também conselheiro. Arcênio (elemento da tabela periódica), era seu nome.
Uma pessoa maravilhosa que a vida se encarregou de tirá-lo de supetão e deixou a mim, amigos, esposa e filhos, desnorteados. Nos deixou nus, sem rumo. Ôh vida bandida!
Mas de que vida estamos falando? Não se tratava apenas da trajetória de vida e morte de um lutador, mas também de um projeto de ideologia, de luta por condições melhores para os trabalhadores e categoria que ele representava. Mas seu legado permanece, apesar das dificuldades.
Tio querido
Em 2005 foi a vez do meu tio Zeca Pereira, uma pessoa excelente, bom amigo e mais um conselheiro de vida. Outro dia eu estava contando em casa para minhas filhas das muitas aventuras que fiz no caminhão dele – à época, o único meio de transporte que nos levava à cidade mais próxima. O chamado pau-de-arara que ia tumultuado de gente, mas que trazia sua magia, seus encantos…
Ele era uma pessoa da mais alta conta. Não apenas minha, mas de toda uma comunidade. Família grande. E das longas viagens que fazia, essa talvez tenha sido a mais longa.
Mãe
Não que eu quisesse ou estivesse preparada, mas chegou a vez da minha mãe, dona Ana Teixeira Costa. Ela também é citada aqui em casa se não todos os dias, pelo menos cinco vezes por semana. Quando não sou eu quem lembro, são as meninas…
A vida também se encarregou de tirá-la de mim, de nós.
E as pessoas dizem para nos consolar que o sofrimento, com o tempo, passa. Grande ilusão! Passa não. Talvez amenize, lapide-se. Mas passar, acho que não.
Há dias que o coração fica apertadinho de saudade. Parece até que está acontecendo naquele momento, outra vez. O sofrimento apenas adormece e segue à sua maneira.
Mencionei essas pessoas queridas como pano de fundo, como se fosse necessário justificar o quanto é sombrio perder alguém que se ama, tão próximo e especial a nós.
Jonas, o “filho” que me tirou noites de sono (e me fez feliz demais)
Este ano já começou maluco e com vontade de machucar!
O dia 11 de janeiro de 2022 deixou marcas dolorosas e também um grande vazio em nossos corações e mentes.
Tinha tudo para ser um dia alegre, razoável que fosse, era meu aniversário. Bolo, presentes. Tantas coisas poderiam acontecer. Mas transformou-se numa tarde triste, terminou em um dia triste e cinzento, arrastando névoa e folhas caídas até hoje.
Por volta das 4h da manhã, depois de quatro longas noites mal dormidas já preocupada com a saúde do Jonas, acordei assustada ouvindo a voz dele me chamando. Chamou meu nome três vezes. Parecia tão nítido. Levantei, fui até a sala, mesmo sabendo que seria impossível ele estar ali, de corpo presente, por conta da sua internação. Não contive a curiosidade: também abri a janela que dava acesso à rua (ele às vezes chegava em casa e gritava da rua para eu recebê-lo) porque tudo parecia real demais para se resumir em apenas um sonho.
E não era mesmo. Acho que já era meu coração aflito de mãe postiça avisado de sua partida (que ocorreu naquele dia à tarde). Era sua despedida. Desde então algo dentro de mim já dava sinais de que nada estava bem.
Foi quando, em um ato de quase certeza, resolvi fazer uma oração. O dia amanheceu e seguia triste, eu ansiosa à espera de notícias, mas já com o coração amordaçado. Mais tarde, quando veio a confirmação de sua ausência, as minhas suspeitas se confirmaram e me tiraram o chão.
A minha intuição não falhou, embora fosse esse o meu desejo. Eu queria que fosse justamente o contrário.
Não era bem o que eu queria ouvir naquele momento, como gostaria que tudo tivesse acontecido de outra forma, pelo menos uma vez na vida. O coração às vezes nos trai, mas nunca se engana e tem a capacidade de sentir e decifrar o erro a quilômetros de distância. Basta prestar atenção nos sinais.
Jonas, meu presente/ausente
Seis meses já se passaram deste que essa dor começou. Meu coração ainda hoje continua apequenado e doído.
Doidinho por demais!
Mesmo não sendo sua mãe de sangue, é como se fosse. Nisso, posso imaginar, imaginar não, posso avaliar o tamanho da dor e do sofrimento da sua mãe vivendo a síndrome do ninho vazio deixado por você de forma irrevogável.
O menos culpado por sua morte foi você mesmo, ninguém morre por querer. Pode até ter chegado seu dia, sei lá. Mas sempre vou me perguntar. Por quê? Por quê? Por quê?
Jonas.
Perder um pai, uma mãe ou até mesmo o marido, dói. E dói muito! Sua esposa, agora viúva, está sentindo esse dissabor. Mas acho que essas dores não se comparam e nem chegam perto da dor que é para uma mãe, perder um filho.
Mesmo não sendo sua mãe biológica tenho sofrido igual uma cavalaveia. Posso imaginar a dor da Zuleide, que por várias vezes tem procurado compartilhar comigo seu sofrimento e eu fico angustiada sem saber o que responder para ela. Responder o que? Estamos na mesma canoa sem remo.
Sonhei com você
Jonas, em sonho, você me disse que estava bem, ainda sem entender o que aconteceu, que muitos erros foram cometidos mas que não sente mais dor. Eu quero acreditar nisso! Também disse que continua amando seus pais e irmãos, e que estava morrendo de ciúmes da sua irmã, pediu para falar para seu irmão que ele está perdendo tempo; que deve seguir em frente com seus planos e projetos.
Você deixou um pedido de desculpas à sua esposa por não ter feito tudo que pretendia fazer. Disse que continua acompanhando, não teve a intenção de fugir das responsabilidades, mas que ela não estava sozinha. Que ficou muita coisa inacabada, não por culpa dele, mas porque não deu tempo.
Que já fazia alguns dias que vinha se sentindo triste, ausente porque sentia que sua hora estava chegando. E não dava tempo para concluir tudo o que tinha de fazer. Mas que ela (Flávia) não estava sozinha.
Pediu para falar para seus amigos que eles perdem tempo demais se afastando um do outro por bobagens. Quando ele, Jonas, não queria sair, eles diziam que ele estava ficando velho, quando na verdade só queria ficar sozinho e quieto no seu canto. Pediu ainda para que seus amigos lembrassem de pôr um lugar à mesa e fizessem um “tim tim” toda vez que fossem tomar cerveja ou comemorar algo sem ele… E que parassem de dizer que ele se foi, porque ele ainda está aqui.
Pediu a uma certa pessoa que falasse para seu filho como você foi em vida. Das zueras que fez. Que ama muito seu filho e estará sempre presente na vida dele. Na figura de uma criança….
Leia também:
– Anjo lindo, leia esta carta direitinho
– Hoje faz um mês que o Jonas está longe de casa…
Cedo demais para esquecer
Quando você se foi, após quatro dias enfrentando os piores momentos de sua vida, seus pais, esposa, irmãos, e os dois filhos do casal e amigos, todos espiritualistas, vinham se reunindo em corrente de oração, não só pedido a intercessão de Deus e nosso Senhor pela sua recuperação, mas também tentando se tranquilizar, diante de dias difíceis de incerteza, aflição e angústia. Mas à luz da verdade, acredito que essas orações serviram para que você tivesse uma partida tranquila. Uma travessia para sua próxima morada.
Com essa morte cruel (Covid-19) mal puderam dizer adeus a você de maneira decente. Eu não estive lá, mas estava aqui, sentindo de longe.
As pessoas que te amavam não tiveram acesso ao caixão lacrado, apenas viram seu lindo e grandioso sorriso numa foto, simbolizando que ali estava mais uma vítima do vírus, da doença mundial, da pandemia que não para de deixar marcas e sequelas.
Todos ali, anestesiadas pela a dor, sem conseguir tocar no seu corpo, suas feições, nem se despediram direito. Não foi possível. Que injusto!
Como entender sua partida tão precoce, apenas cinco dias após ter sido internado, há poucos dias da chegada de uma viagem de trabalho? Essa conta não fecha!
Desde então, sua mãe, esposa e familiares têm aprendido a lidar com a sensação e a realidade de estar sempre faltando uma pessoa importante na família, no convívio, nas zueiras, nos gritos durante o futebol, na alegria que você exalava pelos poros.
Todos estão aprendendo a conviver com a falta e a tentar te “substituir”: sendo mãe, avó, pai, amigo, profissional e por aí vai.
E um turbilhão de sentimentos nos acomete todos os dias. Isso significa ninar nas noites de sono, se acalmar nas adversidades, se alegrar quando recebe o carinho e afeto dos pequenos.
Coisas que não sei
A morte eu não sei. Nunca estive do outro lado. Mas viver é uma arte transformadora que transforma a dor.
A minha filha sempre diz que “a morte não é o fim”. Eu retruco dizendo que mesmo que mesmo que lá seja um lugar melhor, eu prefiro ficar aqui (pelo menos até quando for possível) e também quero os meus aqui. Por isso, conviver com a sua ausência não é a melhor das sensações.
Aqui tem carne, sorvete, chocolate, feijão, pastel, lasanha, pão e tantas outras guloseimas. Não sei se do lado de lá também tem isso. Tomara que tenha e que você siga se deliciando (mas não abusa das frituras).
Que a sua passagem tenha sido segura. Que de fato esteja em um lugar melhor. Que Deus tenha lembrado da sua alma, sem esquecer de consolar as nossas.
Metal, cara!🤘🤘
O poeta
O Tim Maia encontrou nas palavras a mensagem que grita em nossos corações:
Nem sei porque você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus, não pude dar
Você marcou em minha vida
Viveu, morreu na minha história
Chego a ter medo do futuro
E da solidão, que em minha porta bate
E eu
Gostava tanto de você
Gostava tanto de você
Texto de autoria de Maria Zita (mãe postiça do Jonas)
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Sinto falta dele todos os dias, quando tem festa ou quando nos reunimos na minha vó a sensação de sempre estar faltando alguém é horrível, as vezes eu ate falo para as meninas “tenho a sensação que ele ta la em baixo na casa dele, porque estava morrendo de dor de cabeça” e que do nada ele vai subir pegando uma par de frutakkkkkk e berrando como ele sempre fazia… Acho que lhe dar com a morte dele tem sido difícil pra todos nos, as vezes não parece por conta da rotina maluca, mas eu juro que todas as vezes quando descanso minha cabeça eu lembro dele…
É, Thaís, você tem razão… o Jonas é um ausente presente. A gente fala dele todos os dias, lembramos dos exageros, da alegria, da inteligência, do quanto era carinhoso. Eu o chamava de “meu gorducho favorito”. Uma coisa é fato: só deixa saudade quem foi especial. Vamos seguir nos lembrando dele sempre… e nos apoiando com abraços, textos e por aí vai. Beijo, querida!
Muito bom o texto Zita !
Parabéns !
Nos faz refletir sobre a vida, sua importância, as perdas etc.
Que ótimo ter você por aqui, Givanildo. Sim, o texto é muito sensível. O Jonas era um cara muito especial, assim como outras pessoas citadas no texto. A saudade é imensa de todos eles! 🙂