Crônica: O cachorro custou 6 mil, a desilusão não teve preço

Cachorros de pelúcia. Crédito: Juh Oliveira

Written by: Crônicas

Ser jovem e estar apaixonado são quase sinônimos de confusão e arrependimentos futuros. Não que o amor não seja uma coisa boa de se viver. Ele é. E principalmente na juventude, o gostinho da paixão eterna que ele traz é regado a motivações hiperbólicas e emoções profundas.

O que fica depois que o vendaval passa?

Isso depende da experiência e sobretudo do aprendizado que cada um escolhe levar.

TT era jovem e apaixonado por Ana, a bruxa que lhe trouxe enorme prejuízo e descontentamento. Mas isso, é claro, foi apenas depois que a venda foi tirada de seus olhos e seus pais lhe xingaram horrores pela falta de juízo e total ausência de ambições para o futuro que ele desperdiçou numa tacada só.

Ele trabalhava no banco e tinha um cargo relativamente prestigiado para alguém tão jovem. Os pais morriam de orgulho. Além de ter um bom salário, usar terno e parecer um homem sério, ainda tinha possibilidades de crescer profissionalmente e alcançar um cargo que seria “invejado” na família. Suas tias com certeza iriam querê-lo para genro.

Nas horas vagas, seu tempo e atenção eram dados à sua amada Ana, aquela que o fazia ver a vida de forma mais colorida e altruísta (o amor faz isso conosco). Naquele tempo, no auge de seus 20 anos e total inexperiência sentimental, tudo era tão intenso e verdadeiro. E ele ainda não sabia que o poeta Vinícius de Moraes tinha razão em seu Soneto de Fidelidade: “O amor só é eterno enquanto dura”.

A PLR do banco estava se aproximando e TT tinha aspirações românticas para ela. Para quem não sabe, a PLR é um prêmio que empresas dão aos seus funcionários uma vez por ano, normalmente empresas grandes, como bancos, metalúrgicas e varejo. Esses prêmios costumam ser bem “gordinhos” e enchem os olhos dos funcionários. Alguns esperam o ano inteiro por ele com planos e sonhos para realizar. E acreditem: alguns dão até para comprar carro zero.

Mas TT era jovem e apaixonado, lembram-se disso? Seus pais e amigos talvez estivessem pensando que ele ia guardar a bolada para uma viagem de férias, talvez Natal, Recife, Porto de Galinhas em alta temporada (por que não ostentar um pouco?), ou até mesmo outro país, afinal, não seria nada mal fazer fotos em Nova York, Londres, Paris… Ou mesmo guardá-lo na poupança para o futuro; em último caso, já que trabalhava no banco e conhecia bem os trâmites internos e maneiras de tirar vantagens com investimentos, poderia ser inteligente o bastante para fazer uma aplicação que lhe rendesse o dobro ou quem sabe o triplo do valor. Por que não?

Mas não!

Contrariando todas as expectativas que o mercado de apostas fazia sobre o promissor homem de negócios, ele investiu os 6 mil reais que recebeu de prêmio (repito: 6 mil reais) em um belo e sinuoso cachorro suíço para presentear sua amada Ana, a mulher que lhe roubava suspiros até em pensamentos.

Hê-mos de convir: não era um Vira-lata, Chihuahua, Poodle ou Pitbull. Era um Boiadeiro de Berna, também chamado de Bernese, um autêntico cachorro suíço que mataria qualquer amiga de inveja, não só pelo cachorro, mas principalmente pelo namorado.

O animal era incrível (o cachorro!). Tinha o pelo longo, liso e brilhante. A maior parte dele era preta, com marcas cor de fogo (castanho-avermelhado escuro) nas faces, nos quatro membros e no peito trazia marcas brancas. Lindo, não?

Além disso, provavelmente latia em alemão (na Suíça, o alemão é falado por 64% da população), inglês, francês, italiano, húngaro, espanhol, português de Portugal e agora ainda ia aprender o português do Brasil. Genial o bicho! Tão poliglota! Valeu cada centavo.

Como se não bastasse, era um cachorro bem equilibrado, atento, vigilante e sem medo das circunstâncias do dia-a-dia. Bondoso, fiel, seguro de si e pacífico com estranhos. Também possuía um temperamento dócil. Que fique claro que essa descrição é do cachorro.

E TT ainda ganhou o dia, a semana, o mês e o ano ao ver o sorriso lindo da amada, que veio acompanhado de mais e mais juras de amor eterno. Sim, TT era o melhor namorado do mundo. Não havia dúvidas disso. E além de ser romântico e generoso, era também alguém que queria ver a futura mãe de seus filhos progredir na vida.

Ele já lhe havia presenteado com uma câmera fotográfica profissional de quase 3 mil reais, para ela iniciar numa nova profissão. E olha que Ana nem fotografar sabia. As fotos que tirava no início matariam qualquer um de vergonha e desgosto.

Enquanto alguns namorados presenteavam suas musas inspiradoras com caixas de chocolate de R$ 9,35, Panetones da Kopenhagen de R$ 60,00 ou roupas de marcas do shopping de no máximo R$ 99 numa promoção da Hering, TT arrasava nas escolhas. Depois da câmera profissional e do cachorro de “um milhão de dólares”, o amor entre os dois só aumentou e aumentou (o contrário seria um desperdício).

Como não amar alguém tão altruísta e sensível, atento a cada detalhe e aos sonhos da cara metade?

Mas como a vida às vezes é também um filme de terror com monstros, zumbis, alienígenas e vampiros, o desfecho desse romance tão perfeito foi pior que “500 dias com ela”. Talvez devêssemos chamar Ana de Summer.

A bela Ana, que no início era uma princesa da Disney, rapidamente assumiu a forma de bruxa má e perversa, digna do antagonismo da Branca de Neve. Passou a se preocupar apenas com o “espelho, espelho meu” e o que veio depois foi só dor e tristeza.

Ela roubou o crédito das fotos de TT, dilacerou seu coração em mil pedaços, levou o cachorro suíço poliglota embora, bloqueou o rapaz apaixonado nas redes sociais, não atendeu mais seus telefonemas, esqueceu-se de todos os momentos felizes, verdadeiros e sinceros que viveram juntos. Oh, mulher desalmada! Como pode fazer isso com nosso herói?

O tempo passou e a vida seguiu seu curso…

TT já não acreditava mais no amor, na fidelidade, lealdade ou justiça. Tudo isso para ele era só balela de comerciais de TV para vender mais no “Dia dos Namorados”. Mas TT era um cara gentil e decente e seria revoltante um desfecho que não fosse feliz. Sua história ainda teria muitos capítulos novos a serem escritos. O universo conspirou a seu favor e proporcionou-lhe um Plot Twist surpreendente. Graças a Deus!

TT já não trabalhava mais no banco. Havia cansado daquela rotina exaustiva e estressante. Tinha aspirações maiores na vida (agora enxergava com os dois olhos abertos). Fez um curso de fotografia, parou de rasgar dinheiro com bobagens, passou a ouvir mais os pais e finalmente conheceu uma mulher incrível. Uma mulher de verdade, daquelas que mata um leão por dia com elegância, bom humor, de salto alto e com o cabelo escovado.

E dessa relação sincera de amor ele ganhou uma princesa de verdade, a pequena Isis. As bonecas da Disney ficaram no chinelo perto dela. Ambas resgataram nosso protagonista cafona de uma vida cinza e limitada e o transportaram para uma vida real, cheia de alegrias e novas motivações.

Agora ele não vivia mais para comprar presentes ou impressionar garotas ambiciosas; vivia para desfrutar e dividir momentos felizes, dificuldades e desafios que a vida traz e impõe muitas vezes, mas agora ao lado de uma mulher que sabia reconhecer seu valor como homem, marido, amigo e companheiro. Alguém que estava com ele para construir amor, amizade e generosidade. Não que não houvesse problemas ou enroscos de vez em quando. Eles existiam. Mas para ambos, valia a pena continuar e continuar…

Que fim levou a Ana-Summer destruidora de corações e bolsos imaturos? Só Deus sabe. O que sabemos dela é que foi incapaz de se desculpar pela traição mesquinha ao nosso protagonista recomposto. Não daria mesmo para esperar o contrário!

Mas de uma coisa sabemos: se nosso “Dom Casmurro” romântico e ludibriado tivesse permanecido no banco, ganhando um salário incrível, usando ternos caros e bem cortados, namorando Ana-Summer e pensando apenas nas mesmas coisas, talvez não tivesse sabido enxergar as oportunidades que a vida lhe trouxe (realmente boas); talvez a pequena Isis não estivesse aqui ou se estivesse, poderia pertencer a outro homem. Talvez vivesse uma vida acostumada e medíocre ao lado de uma mulher que só sabia “roubar” dele, nunca devolver.

E quanto a nós, que viemos a conhecê-lo anos depois, provavelmente não teríamos aprendido com um dos melhores e mais fofos professores que essa escola do Centro Paula Souza poderia nos oferecer. Pensando de forma prática, seria um enorme prejuízo também para nós.

P.S. Crônica em homenagem a um dos professores mais fofos da Etec de Carapicuíba.

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Tags:, , , , , , , , , , , , , Last modified: 16 de agosto de 2022

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora