Hoje faz um mês que o Jonas está longe de casa…

Written by: Coluna Destaque

O primeiro livro de comunicação/jornalismo que ganhei quando entrei na faculdade (lá em 2006) foi presente do Jonas. Capa dura, daquela série Primeiros Passos, intitulado “O que é tal coisa” – que traz vários temas e explica todos eles de forma didática, para iniciantes em começo de jornada. Bem meu caso à época. Meu exemplar, claro, era sobre “O que é jornalismo, editora e cinema”. Temas recorrentes a mim até hoje.

O Jonas chegou com o livro, encontrado em um sebo qualquer de São Paulo, e me fez esse agrado. Cute! Tenho-o na estante até hoje (e não me desfarei dele jamais).

Quando o Josenilson, meu irmão, trabalhou com o Jonas em uma empresa em Alphaville, ele dizia em casa em alto e bom tom:

“Eu demoro duas horas para achar o erro do código [de programação]. Eu acho e corrijo, mas demoro duas horas dependendo do que for”. E após uma pausa dramática e revoltada, completava: “E o desgraçado do Tchoi encontra o erro do código em apenas 15 minutos”.

Bingo!

O Jonas era mesmo terrível com lógica e programação. Tinha uma calculadora na cabeça.

E o adjetivo “desgraçado”, acreditem, era um baita elogio!

E se o Jonas era o melhor amigo dos números e dos dilemas da lógica e da matemática, a língua portuguesa, coitada, não teve a mesma sorte.

Certa vez, após fazer uma entrevista de emprego e realizar um teste padrão (de matemática, português e perguntas específicas da área de trabalho), eis que nosso gênio indomável deixou sua marca para a posteridade.

Uma das questões do teste era marcar a alternativa incorreta quanto à concordância verbal.

Ele disse. “Não vi erro em nenhuma. Marquei todas as alternativas como corretas”.

Uma das frases do enunciado era: Nós VAI ao cinema.

Minha irmã neste dia tomou as dores da sofrida concordância verbal e quase bateu nele. Que sorte ele teve de ela ainda não ser faixa preta de jiu-jitsu. rs

Ela: “Tchoi, nós vai ao cinema tá certo?” – já com o tom de voz subindo.

E ele com a expressão mais plena do mundo: “Para mim, está”.

Detalhe que a louca da gramática sou eu. E não fiquei tão brava assim…

Rimos muito! Gargalhamos! E até hoje sempre fazemos alusão a esse ocorrido memorável.

Além de verbos errados, ele dificilmente acertava um plural.

Ele dizia: “Eu vou encontrar os ‘menino’ mais tarde”.

Eu berrava: “Jonas, é plural. Os meninos. Você vai encontrar OS MENINOS!”

E ele só para me irritar, retrucava: “Ah, você entendeu!”.

Que ultraje! rs

Alegria exagerada

Como esquecer a alegria exagerada do Jonas pelas pequenas coisas? Ele não precisava muito para estar e ficar feliz. Uma pizza com Coca Cola, um filme de ação, uma conversa com um amigo, um prato cheio de comida, um evento de cultura japonesa, vídeo game, brincar com o cachorro, um código de programação para achar o erro…

E quantas vezes eu quis bater nele porque ficava esparramado no sofá de casa, assistindo o jogo daquele time horroroso, Corínthians, com o volume capaz de deixar qualquer um surdo!

E o tal campeonato poderia virar um ringue de boxe se o jogo fosse contra o Palmeiras. Ele e a Ju (minha irmã) travavam sérias e entusiasmadas discussões sobre a índole do juiz, o caráter dos jogadores, a atuação do técnico, as atitudes da torcida e por aí vai… Era uma odisseia digna de Homero!

E às vezes até ficavam de cara feia um com o outro. Apenas um dos time ganha… e a torcida do outro precisa aceitar a derrota! 🙁

Vocês acreditam que ele tomava café com comida? Eca!

Ele sempre precisava de algum líquido durante a refeição. Refrigerante, suco de pozinho, natural.. mas ficar sem beber, jamais! Pois certa vez, ele teve a pachorra de esquentar o café, encher uma xícara até a boca e degustá-lo ao longo do almoço de arroz, feijão e bife. Pensa num bicho esquisito!

E por falar em esquisitice, quando começou a frequentar minha casa, de tanta amizade e carinho que demonstrava pelo meu irmão (que de fato se tornou amor fraterno ao longo do convívio), acabou deixando minha mãe ressabiada.

Certa vez ela disse: “Esse menino é tão estranho. Olha só o jeito dele com o seu irmão!”

A gente até ri hoje lembrando disso! O Jonas era tão carinhoso com os amigos homens, que a cisma inicial da minha mãe até fazia sentido.

Certa vez o encontrei por acaso no Centro Comercial de Alphaville – e já fazia algum tempo que não nos víamos. Ele estava almoçando com um colega e quando eu o vi, abracei-o por trás e beijei-o na bochecha.

“Oi, meu gorducho favorito!”. Ele já estava ligeiramente redondo.

Ele respondeu “Oi, meu amor. Como é que você tá?”.

E pelo olhar de surpresa do rapaz, deve ter pensado “Que moça atirada. Ele é comprometido!”

Espero que a Flávia não fique brava comigo! rs

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As lágrimas que não contamos

O Jonas foi feliz e fez muita gente feliz

A começar pela minha mãe. Ela ganhou outro filho nele. E também o perdeu no dia de seu aniversário. Desalento golpe.

Minha mãe só faltava pegá-lo no colo, dava até raiva.

Minha mãe e seu filho postiço.

Ela fazia a comida favorita dele; guardava um prato quando sabia que ele viria mais tarde; ligava para saber como ele estava; o lembrava dos remédios que devia tomar; dava bronca, puxava a orelha e oferecia muito afeto.

Ela o adotou de tal forma que me arrisco a dizer que, quando ele mais precisou de uma mãe, ela estava lá. Claro que sua função não era substituir a mãe biológica, mas talvez para ocupar temporariamente a vaga aberta por um período difícil, de ausência afetiva, que ele vivenciou. Graças a Deus que alguns anos depois o jogo virou e dona Zuleide pode dar e receber o melhor para a relação dos dois.

Dona Zuleide disse no dia do enterro, olhando para a foto dele com aquele sorriso contagiante: “Meu filho é tão lindo, tão carinhoso. Ele ia lá em casa só para me abraçar e beijar. Era o mais carinhoso de todos!”

Jonas com o pai e a mãe.

“Isso é mais feio do que bater na mãe por causa de bife!”

O luto é uma coisa estranha.

Em um momento a gente ri, lembrando de coisas bobas e talvez banais vividas com a pessoa que amamos; situações quase sem importância da vida normal que qualquer um dia nós leva. No outro instante, essa mesma lembrança vem de assalto e inunda nossos olhos com grossas camadas de dor; se manifesta em lágrimas que escorrem desgovernadas.

Quando recebi a notícia da ida do Jonas, o chão me faltou aos pés. Desde que soube de sua internação e do quadro de saúde delicado, estava orando e clamando a Deus por um milagre, pedindo a intervenção Daquele que sabe e pode todas as coisas. Coube a Deus, em sua infinita sabedoria, conduzir a situação por outro caminho.

Mas como Ele é misericordioso e fiel, tem dado à família, amigos e todos que o amavam, consolo para os dias mais longos…

No fatídico 11 de janeiro de 2022 fomos nocauteados com violência pela vida!

E digo NÓS porque SÃO MUITOS NÓS MESMO! Eu até brinquei que o enterro dele parecia um show de rock. O Jonas formou uma legião de fãs (e olha que nem sabia cantar).

Aliás, faço um adendo: ele cantava para a lua. Olhava para ela, erguia a cabeça e soltava a voz. E era tão singelo vê-lo fazendo isso…

Quando o Geraldo me mandou mensagem no WhatsApp no dia do ocorrido, ele disse “Ju, o Tchoi foi embora”; antes disso, o Paulo já havia me ligado e dito “Desculpe ligar para te dar a pior notícia que se pode dar a alguém. Eu não queria fazer isso”. Nem eu queria ouvir.

Quando liguei para o Josenilson, ele disse “Já estou sabendo. O Wellington me avisou” e depois completou “Bebe uma água e volta para casa com cuidado”.

Quando liguei em casa para falar com a minha mãe, a Ju atendeu e eu disse “O Jonas não resistiu”. Ela respondeu com voz embargada “Mentira!”

Acho que todos nós queríamos que fosse mesmo uma PEÇA DE MAU GOSTO pregada pela vida.

Nesse dia, voltando no trem entre lembranças e lágrimas incontidas, falei com o William Moreno, com o Thiago, com a Thaynne, com o Douglas, com o Natan, a Pampam e tantos outros…

O Geraldo escreveu “Meu amigo foi embora, o cara que me procurava quando estava triste e que me abraçava forte mesmo quando tinha me visto ontem”.

Acredito que essa seja a melhor definição dele!

O Diego Galfarion também disse algo muito bonito: “Eu não sou um cara de grandes elucubrações, mas uma elucubração que eu fazia era imaginar o Tchoi bem velhinho me apresentando para os netos dele e dizendo: Olha, eu conheço esse velho chato há muitos anos. Esse velho chato é meu amigo há muito tempo”.

Ele continuará sendo! E a cena seria épica!

O Paulo também se sentiu esquecido em um abismo, experimentando um dos piores dias que a vida às vezes oferece. E ainda usou uma máscara laranja (a cor favorita do Jonas) para dar o último adeus.

Repito: o Jonas foi feliz e fez muita gente feliz.

Ele realizou coisas que muitos de nós AINDA não realizou. E talvez outras que muitos de nós sequer experimentará.

Ele se casou com uma mulher que o amava (ainda ama e amará por muito tempo, se não a vida toda); desse casamento, ele ganhou uma filha que não era dele, mas que logo e de forma tão espontânea quis ser (e ele também a quis com singelo afeto). E o amor que brotou dessa proximidade superou qualquer necessidade de sangue.

E ainda deixou seu legado nessa terra finita.

O Eduardo veio ao mundo para encher a casa de barulho, bagunça, amor e alegria. Com a energia de um atleta olímpico em preparação para a largada, ele emana graciosidade pelos poros. É tão elétrico e intenso! Carinhoso quanto o próprio Jonas sempre foi (só que na versão mirim e mais magra).

E para fechar com chave de ouro esse legado de amor, em breve a Eliane trará a cor rosa para amenizar a paleta escura do luto. Ela será a esperança necessária para esses dias maus que parecem não ter fim.

Não sei vocês, mas eu consigo imaginar ele dando uma ENORME GARGALHADA agora, daquele jeito espontâneo e exagerado dele, ao saber que o Josenilson escreveu uma poesia e nela constatou que a amizade dos dois foi melhor que LASANHA.

Com certeza foi mesmo!

E como quem ama sente saudade, vamos seguir amando e nos lembrando do Jonas, pela pessoa que ele foi e representou para todos nós – de um jeito ou de outro sempre muito especial; para o amigo generoso, protetor, exagerado, barulhento, amoroso, grudento, exibido, mandão, trabalhador, convencido, execrável com a língua portuguesa, amigo da lógica…

Mas como a ideia desse texto não é ser triste, e sim, saudoso, acredito que não demorará muito para que essa angústia sentida hoje logo dê lugar ao refrigério da saudade… Não sei vocês, mas estou esperando ansiosa por isso…

O Milton Nascimento tem mesmo razão: amigo é coisa para se guardar…

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Tags:, , , , Last modified: 11 de junho de 2022

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora