“Desenha-me um carneiro?” O Pequeno Príncipe insistia sem medo de parecer chato…

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Quem acha que uma criança não pode ensinar coisas importantes aos adultos está enganado e corre o risco de se impressionar com as lições de sabedoria e humildade compartilhadas por este nobre personagem.

Pode-se dizer que o “O Pequeno Príncipe” é um livro infantil ou infanto-juvenil escrito para adultos. Além de encantar crianças no mundo inteiro, também possui a genialidade de fazer qualquer adulto – com o mínimo de sensibilidade e entusiasmo – parar e refletir um pouco sobre os valores humanos e sobre a perda de coisas importantes que simplesmente desaparecem de nossas vidas porque “crescemos e não encontramos mais tempo para cultivá-las”. Lamentável e reflexivo, não?

Antoine de Saint Exupery. Foto: Aliança Francesa.

Escrito e ilustrado por Antoine de Saint-Exupery (junho de 1900 – julho de 1944), autor francês refugiado da 2ª Guerra Mundial, o livro foi publicado nos EUA em 1943 (as duas primeiras versões foram publicados em Nova York) e começa com a pane de um pequeno avião que deixa o piloto preso no meio do deserto do Saara e que, tentando encontrar uma forma de consertar o motor do seu equipamento de trabalho e voltar a voar, é interrompido por um pequeno garoto, vestido de príncipe e com uma espada na mão – que lhe pede com autoridade: “Desenha-me um carneiro”.

O livro só foi publicado na França em 1945, quando Exupery já havia falecido.

O livro aborda algumas referência biográficas: o autor foi mesmo aviador e realmente sofreu uma pane com seu avião no Deserto do Saara. Durante suas muitas viagens, ele conheceu uma mulher chamada Consuelo, em El Salvador, que anos depois se tornaria sua esposa (alguns associam ela a rosa do planeta do principezinho). O relacionamento entre os dois, no entanto, foi marcado por muitos desentendimentos e até traições, apesar de viveram uma grande paixão.

O aviador não sabe o que pensar ou como agir diante daquela aparição tão inusitada. Após irritante insistência do garoto, ele pega um bloco e um lápis e lhe mostra a única coisa que desenhou em sua vida toda. Para sua surpresa, o principezinho consegue facilmente identificar a obra-prima.

“Não, eu não quero um elefante dentro de uma jiboia. A jiboia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é muito pequeno onde eu moro”.

Sua fala fez o homem adulto ali reviver uma lembrança desestimulante de sua infância. Ao fazer seu primeiro e segundo desenhos (que representava justamente um elefante dentro de uma jiboia), ele fora incompreendido pelas pessoas adultas.

“As pessoas grandes aconselharam-me a deixar de lado os desenhos de jiboias abertas ou fechadas e dedicar-me de preferência à geografia, à história, à matemática, à gramática […] As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo para as crianças, estar a toda hora explicando” – trecho do livro (página 10).

Esse principezinho conta ao aviador que mora em um minúsculo planeta e que possui três vulcões desativados, uma árvore e uma rosa que rega todos os dias e coloca em uma redoma de vidro para protegê-la do vento. Ele resolve partir desse planeta em busca de conhecimento por amar muito a rosa e também por não entender porque ela – sempre tão orgulhosa – não lhe demonstra qualquer afeto em recíproca. Por sentir-se despreparado para compreender algumas coisas da vida, passa a explorar planetas desconhecidos em busca de sabedoria, discernimento e respostas aos seus anseios.

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A viagem do garoto – feita por meio de um cometa – percorre vários planetas até aterrissar na Terra. Durante sua passagem por esses planetas, ele conhece vários personagens peculiares, comuns e enigmáticos:

– O rei (que pensava que todos eram seus súditos apesar de viver sozinho);
– o vaidoso (que achava que todos viviam em função dele);
– o bêbado (que bebia para esquecer a vergonha que sentia por beber);
– o acendedor de lampiões (que estava sempre fazendo a mesma coisa e ainda assim não conseguia concluí-la com sucesso);
– o geógrafo (que se dizia sábio, mas não sabia nada da geografia do próprio país);
– a serpente (sagaz, envolvente e traiçoeira);
– a raposa (que lhe ensina uma lição preciosa);
– e o aviador (um adulto envolvido no conserto de seu avião, que também havia esquecido há tempos a importância das pequenas coisas).

Uma das lições ensinadas ao pequeno príncipe pela raposa. Foto: Juh Oliveira

Todos os personagens têm em comum a preocupação com suas próprias vidas, além de um “egoísmo” característico da espécie humana. Eles também tinham algum ensinamento – bom ou mau – a repassar ao pequeno protagonista da história. Assim, cada personagem mostra o quanto algumas “pessoas grandes” se preocupam com coisas inúteis e vivem em seus próprios mundos, dando pouco valor ao amor, à amizade e ao companheirismo.

A primeira adaptação para o cinema ocorreu em 1954 e foi dirigida por um alemão; a segunda versão é de 1974 – trata-se de um musical francês dirigido por Stanley Donen. Nessa segunda versão, o saudoso e talentoso Gene Wilder interpreta brilhantemente a raposa.

Em 2015 um novo filme intitulado “O pequeno príncipe” ganhou a telona e fez muito sucesso. Mas não é uma versão, está mais para um filme referencial, já que traz uma história independente que se relaciona com a original. Uma menina e sua mãe workaholic são vizinhas de um senhor muito estranho, que por coincidência é o aviador muitos anos mais velho.

Esse livro já foi traduzido para 250 idiomas e já vendeu mais de 145 milhões de cópias no mundo todo. É considerado a obra em idioma francês mais vendida no mundo. Depois da França, o segundo país que mais ama essa história é o Japão.

Nesta fábula infantil há o relato das fantasias e sonhos de uma criança como qualquer outra criança, que questiona as coisas simples da vida com pureza e ingenuidade, além de acreditar que precisa cultivar sentimentos para não se tornar um adulto solitário e incapaz de demonstrá-los.

Não palavras do aviador do filme de 2015: “O problema não é crescer; é esquecer.”

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Tags:, , , , , , , , , , , Last modified: 18 de setembro de 2020

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora