Conto: O homem mau

Imagem de Casamento (Crédito: Pinterest)

Written by: Contos

As filhas ainda eram pequenas quando passou pela cidade onde viviam um homem que se dizia capaz de ver o futuro. Ele parou em frente à humilde casa onde moravam e pediu água para a mãe delas. Depois de beber e agradecer, puxou conversa sobre o tempo e qualquer outra coisa e a mulher, meio sem jeito de cortar o diálogo inesperado, acabou lhe dando atenção. Ele era realmente muito bom de prosa.

Dessa conversa sem precedentes, ele acabou entrando, sentando-se à mesa e tomando café com ela. As filhas, começando a adolescência, brincavam e se espalhavam pela casa.

A mãe contou ao homem que o marido estava trabalhando e que eles tinham oito filhos: cinco meninas e três rapazes. Os garotos trabalhavam desde cedo com o pai na roça e em trabalhos manuais, consertando coisas. Também sabiam vender animais. Eram bons negociadores. Quando tivessem idade para se casar, seriam pais de família. Precisavam ter um oficio digno na vida.

As filhas, por outro lado, estavam sendo criadas para se casarem. Nada de incentivá-las aos estudos ou coisas que lhe tirassem o foco do matrimônio que logo aconteceria. A diferença de idade entre as meninas era apenas de um ano. Elas nasceram antes dos meninos.

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A mulher, embora dissesse e se considerasse religiosa, acabou contradizendo sua crença e aceitou que o tal homem, que ela conhecia há menos de uma hora, lesse a sorte e/ou o futuro das meninas. De certo, não faria qualquer mal. Suas filhas seriam em breve as melhores opções de moças para casar que aquela cidade teria. Ela tinha certeza disso.

Pois bem: uma a uma, a mãe chamou as filhas para terem o futuro traçado por aquele estranho de sorriso largo.

A filha mais velha, disse ele, não se casaria!

A mãe, prontamente, rejeitou essa palavra!

– Deve haver algum engano. Olhe de novo, ela pediu, firmando a mão da filha na frente do homem.

Ele novamente avaliou os traços e sentenciou negativamente com a cabeça.

– Não sou eu quem diz isso. É a sorte dela! – explicou.

Sorte. Imagem: Pinterest.

– Isso não é sorte! – retrucou a mulher.

Mas como a curiosidade já havia lhe picado, ela deu continuidade ao processo e o tal homem olhava e balançava a cabeça em negativa. A mãe não queria saber de outro assunto que não fosse o casamento das meninas.

– Esta aqui, disse ele, se chegar ao altar, ficará viúva cinco meses depois. Não sei se vai querer passar por isso. Esta outra, o pretendente irá abandoná-la horas antes da data marcada para o grande dia.

A mulher já estava arrependida de ter dado abrigo e atenção aquele homem. Quando o levou até a porta, demonstrava irritação e fúria.

– Os sinais nunca mentem, minha senhora. – disse, por fim, e foi embora para nunca mais terem notícias.

Como a mulher não tinha dinheiro em casa, ele aceitou dois sacos de arroz, um pacote de farinha, dois pacotes de macarrão e alguns enlatados como pagamento. Saiu satisfeito com a paga recebida e o serviço prestado.

Anos se passaram!

A filha mais velha já estava com seus 21 anos. A mãe já estava preocupada, quase desesperada. Desejava casar a moça antes que completasse 22 para que ela já tivesse seu primeiro filho aos 23 ou 24. Com 25 já estaria velha para os padrões da cidade. E ainda tinha aquela maldita lembrança do passado para lhe atormentar a cabeça.

Mas não havia motivos para considerar aquele despautério. Ela não acreditava em crendices!

Em seus pensamentos, ela justificava sua confiança! As filhas eram prendadas: lavavam, passavam, bordavam e costuravam. Arrumavam a casa como ninguém. Cozinhavam como poucas moças daquela vila o faziam.

A mãe, sempre que ia a cidade, fazia questão de passar pelos locais de maior fluxo de pessoas, sobretudo onde havia jovens solteiros, para gabar-se do talento e estima das meninas, fazendo parecer que todas elas já estavam comprometidas com os melhores partidos da cidade. Se houvesse ali algum possível interessado, teria que se apressar.

– Joana é muito organizada e vai ser uma ótima mãe. – dizia a ermo na farmácia. – Maria é prendada na cozinha e gosta muito de costurar. – ressaltava no mercado. – Isabel, embora a mais jovem, entende muito bem como deve ser uma boa esposa. Não tem qualquer interesse em estudar. Seu sonho mesmo é se casar e constituir família. – mencionava com orgulho na praça.

E assim, por onde passava, ela seguia tecendo elogios às suas filhas solteiras.

A mais velha já estava com 25 anos e nada. A mãe já tinha até cabelos brancos e dores nas costas de angústia! Finalmente, uma luz no fim do túnel: Joana, a segunda filha, conseguiu um noivo. A mãe, que era tão exigente anos antes, em relação ao rapaz ser bem quisto na cidade e sobretudo em ter e ostentar bens, agora só queria ver as filhas colocarem uma aliança no dedo para desfazerem a tal profecia do homem mau.

Mas parece que o homem mau tinha um pouco de razão.

Cinco meses exatos depois do casamento, Joana ficou viúva. O marido caiu da carroça, bateu a cabeça numa pedra e deixou a moça com o coração em frangalhos.

Mas pelo menos Estela já estava de casamento marcado. Uma alegria iria com certeza amenizar essa tragédia inesperada e confortar o coração confuso da mãe.

Mas parece que o homem mau não estava mesmo de brincadeira.

No dia do casamento, algumas horas antes do horário marcado, um moleque de dez anos chegou correndo na casa da noiva e lhe entregou um bilhete urgente do amado. Quando Estela leu, caiu em lágrimas.

Bilhete post it. Imagem: Internet.

Bilhete post it. Imagem: Internet.

“Não posso mais me casar com você. Vou embora da cidade. Me perdoe”. – era o conteúdo escrito.

A filha ficou arrasada. A mãe, então, queria que um meteoro caísse na Terra.

Meses se passaram.

A mãe era incansável. Continuava com seus joguinhos para tentar pretendentes para as filhas. Por onde passava, era sempre o mesmo discurso. Na farmácia, no mercado, nas lojas de roupa, na feira, no açougue, na praça. Ela só faltava oferecer uma recompensa para quem desposasse de suas quatro filhas solteiras ou se interessasse pela filha viúva.

Quando deixava os lugares, as pessoas se olhavam e comentavam.

-Como se não bastasse serem tão feias e desengonçadas, ainda têm o azar de ter uma mãe como essa! Que mulher desagradável! – e riam todos.

– Coitadas delas! – dizia outro. – Se depender da beleza ou formosura, vão ficar para titias para o resto da vida! – outro destilava o veneno.

No início a mãe queria um bom pretendente, depois de ver o tempo passando a passos largos, afrouxou um pouco a cobrança e bastava que fosse um pretendente em potencial. Nem precisava mais ter posses.

O pai das meninas nada dizia! Ele não era surdo e tinha relativo bom senso. Quando ia à cidade, percebia os comentários que as pessoas faziam sobre suas filhas e, principalmente, sobre sua esposa.

E assim, o tempo passou para todas elas!

Os irmãos se casaram e constituíram suas famílias e elas continuaram lá, à espera de um bom pretendente! À espera de qualquer pretendente!

A verdade apareceu anos depois, no leito de morte da mãe, embora ela preferisse negar o óbvio.

Suas filhas ficaram solteiras porque não foram capazes de despertar qualquer interesse nos poucos rapazes da cidade.

Ana, a mais velha, era grosseira e mal educada com as pessoas, embora tivesse um belo sorriso. Mastigava de boca aberta e não aceitava a opinião de ninguém. Nem da mãe.

Joana, a segunda filha, era simpática, mas tinha as pernas finas e tortas. Também tinha um queijo avantajado e quando sorria, assustava qualquer um. Apesar disso, conseguiu casar e enviuvar cinco meses depois. Talvez o marido tenha se jogado da carroça.

Maria, a terceira, tinha o rosto bonito, mas pesava mais que todo o resto da família somados. Ela não tinha qualquer problema com o espelho, embora nem coubesse diante dele. Parece que quando se olhava, enxergava uma magra e esbelta mulher. Os shorts curtos que mostravam as pernas peludas que tinha, espantavam qualquer possível interessado.

Estela tinha um bigode escandaloso. Nem seus irmãos eram tão barbados quanto ela. Por mais que fosse uma boa moça, de longe e de calças, parecia um rapaz. A genética não lhe favoreceu nem um pouco. Talvez por isso o noivo tenha ido embora sem motivo.

E Isabel, a caçula, parecia um moleque, daqueles que sobem em árvore, falam palavras de baixo nível e arrotam sem sentir vergonha alguma. Gostava mesmo era de falar bobagens. Nem de longe parecia uma dama.

A verdade é que, independente do que supostamente previu o tal homem mau e desconhecido, a mãe foi omissa em não fazer a parte que lhe cabia da história.

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Tags:, , , , , , , , , Last modified: 16 de novembro de 2019

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora