“Olhos que condenam” não é ficção (e o final também não foi feliz)

Written by: Artigos Cinema Destaque Séries

Até poderia ser ficção – e se fosse, com certeza faria sucesso nas telonas porque nós gostamos de histórias de injustiça, de redenção, de superação. Torcemos pelo personagem, acompanhamos ávidos pelo desfecho da narrativa esperando um final minimamente feliz. Mas, infelizmente, não é ficção (e o final também não foi feliz)!

Vimos recentemente a repercussão nacional sobre a morte do adolescente João Pedro de 14 anos, durante uma operação policial no Rio de Janeiro. O garoto foi morto no dia 18 de maio enquanto brincava com primos e amigos dentro da casa da família em São Gonçalo, na região metropolitana.

Os cinco jovens presentes dizem que, após um helicóptero sobrevoar o terreno, três agentes invadiram a residência atirando, apesar de eles terem gritado que havia crianças. A versão dos policiais é a de que criminosos tentaram fugir pulando o muro do imóvel e João foi baleado no confronto.

Projota disse se sentir “impotente” diante do caso de João Pedro. Em entrevista à Quem, o músico comentou: “Quando uma notícia assim surge, eu fico com ódio. Me traz muitas lembranças e sentimentos que tento esquecer ao longo da vida”.

Para o rapper, a situação continua a mesma há muito tempo: “Vai fazer 20 anos que canto rap e não mudou nada. É a mesma merda. E agora outros meninos e meninas estão sofrendo por isso a ponto de perder a vida. Não temos perspectiva nenhuma de mudança próxima. Eu me sinto impotente. Sinto que estamos fracassando”.

Talvez, isso seja mesmo verdade!

Homenagem a João Pedro. Arte de Nando Motta. 

Mais recentemente ainda temos acompanhado a repercussão internacional sobre a morte de George Floyd. O homem afro-americano morreu em 25 de maio, depois que Derek Chauvin, então policial de Minneapolis, ajoelhar-se sobre o pescoço dele por cerca de sete minutos, enquanto Floyd permanecia deitado de bruços no chão (totalmente rendido). Acusado de usar uma nota de dólar falsa para comprar cigarros, ele dizia “I Can’t Breathe!” (“Não consigo respirar”), enquanto agonizada pela vida. Havia outros policiais na cena do ocorrido, mas todos, aparentemente, se mostraram coniventes ao ato de Chauvin.

Na à toa, nesta última semana protestos antirracistas marcaram presença ao redor do mundo. O movimento Black Lives Matter busca a conscientização da população sobre a violência policial contra negros e sobre o racismo. E pelo décimo dia consecutivo, manifestações antirracismo ocorrem em diversas cidades dos EUA.

“O que aconteceu com Floyd acontece todos os dias neste país, na educação, no serviço de saúde e em qualquer área da vida nos Estados Unidos. É hora de nos levantarmos em nome de George e dizer: tirem o seu joelho dos nossos pescoços”, afirmou o reverendo e ativista pelos direitos civis Al Sharpton durante o funeral, no dia 04.

Durante funeral de Floyd. Imagem: Reuters

Leia também de Ellen Costa
Resenha: Obra-prima do século 20, “O sol é para todos” ainda retrata nossos dias
Resenha: Amizade, injustiça, esperança e redenção são temas tratados em “Um sonho de liberdade”

Esses e tantos outros casos que ainda acontecem em pleno século 21 (mas que agora são registrados por câmeras de celulares e por isso ganham o mundo) também nos fazem “parar de respirar”. Qualquer pessoa com o mínimo de empatia, caráter ou sensibilidade consegue se colocar no lugar das vítimas e de suas famílias. Se colocar no lugar de homens e mulheres negros vítimas de tantas injustiças. Afinal, ver ainda o quanto a violência, o racismo e as desigualdades sociais pulam diante de nossos olhos é essencialmente incômodo, para não dizer outra coisa.

“Olhos que condenam”: retrato real do racismo no final dos anos 80

A série “Olhos que condenam”, disponível na Netflix desde o ano passado, tem apenas 4 episódios de uma hora cada, mas é tão visceral, angustiante e dolorosa que parece possuir 6 temporadas completas ou 14 (como Grey’s Anatomy).

É praticamente impossível maratoná-la em um sábado qualquer porque a carga dramática machuca com força, faz nosso coração e ossos doerem. A exemplo dos casos reais citados acima, não parece ser uma história que ocorreu em 1989. Ainda parece tão século 21 (atrasado).

É como se estivéssemos acompanhando tudo isso agora, completamente reféns do sofrimento que cinco garotos entre 14 e 16 anos foram expostos INJUSTAMENTE. Apesar do imenso desconforto sentido, que bom que conferi a história (e estou aqui para recomendá-la). A reflexão é extremamente válida para os casos relatados acima e para tantos outros que ainda acontecem. Esses garotos foram “culpados” e condenados por algo que não fizeram e viram suas vidas (que já não eram das mais fáceis) despencar ladeira abaixo.

E se o primeiro episódio – no qual vemos o circo sendo armado para eles assumirem a autoria pelo estupro de uma jovem norte-americana, corredora, branca, de 28 anos, e ainda se auto acusarem para tornar a história mais crível para a sociedade – é difícil de digerir, quando chegamos ao último, então, o fardo está 100 vezes mais pesado.

A diretora da série, Ava Duvernay, uma mulher negra e extremamente sensível à dor do outro, soube contar essa narrativa de maneira singular. E o elenco escolhido para a ficção viveu tão intensamente o drama que parece ter feito parte de tudo aquilo que os “personagens” reais experimentaram.

Olhos que condenam. Imagem: Divulgação

É uma narrativa real que precisa ser contada, compartilhada, conversada para que as vidas negras recebam o real valor que merecem. Nossos olhos e julgamentos podem realmente nos trair, mas ainda há tempo para fazermos escolhas acertadas e lutar por causas realmente importantes como a vida humana.

Confira o trailer abaixo:

E depois de ver a série, confira também na Netflix uma entrevista que a diretora, Ava Duvernay, os atores que interpretaram os garotos e os próprios “personagens reais” da história dão ao programa da Oprah winfrey. E não esqueça, antes, de separar um lenço (porque a entrevista é tão triste e visceral quanto a série).

OBS: algumas informações foram retiradas de portais de notícias, como Rollingstone, Terra, Folha de S.Paulo

Gostou do Artigo? Deixe um comentário abaixo e compartilhe com amigos.

(Visited 259 times, 1 visits today)
Tags:, , , , , , Last modified: 21 de novembro de 2022

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora