Lançado em 2013 (há pouco mais de 10 anos) e classificado como aventura/comédia, “A Vida Secreta de Walter Mitty” é um daqueles filmes que falam sobre a vida. Ou melhor dizendo: é a história de um homem que está vendo a vida passar e dela pouco participa.
Não sei por que demorei tanto para assisti-lo, mas fiquei contente de tê-lo visto nos 47 minutos do segundo tempo (antes de 2023 findar). Ele é capaz de gerar diversas reflexões num período em que todos estão muito agitados e cheios de planos e novos projetos.
Vamos lá!
Ben Stiller é o protagonista que dá nome ao personagem (ele é também o diretor do longa). E acerta bem nos quadros e composições, nas cores e trilha sonora.
Na narrativa, Walter Mitty acaba de completar 42 anos, mora sozinho num apartamento de cores pastéis, é metódico e organizado, solitário, centrado numa rotina comum e sem muita expressão.
Interessado numa nova colega de trabalho, está inseguro para dar o primeiro passo. Contudo, quando resolve finalmente agir – enviando uma “piscadela” para Cheryl Melholff (Kristen Wiig), num site de relacionamento, o envio não dá certo. Sua primeira frustração surge ali e na sequência somos apresentados aos devaneios heroicos desse protagonista (até aquele momento, insosso).
Ele sonha acordado, projetando situações e atitudes que gostaria de experimentar, como fuga da inexpressividade de sua vida comum. É fácil perceber que ele não está feliz (e não tem forças para reagir) e que os devaneios surgem como catarse.
Sonhador e desajeitado, anda sem pressa pela “vida”, sem vaidades, numa rotina repetitiva segura.
O primeiro paradoxo logo aparece: ele trabalha há 16 anos numa famosa e prestigiada revista chamada LIFE (Vida). Não poderia ter um nome mais pulsante, não?
Mais interessante ainda: atua como gerente do departamento de negativos da revista, o que lhe coloca na condição de estar sempre vendo a vida pelas lentes de outras pessoas. Ele vê os momentos da vida registrados e contados por experiências e sentimentos alheios. Por mais belas que fossem, eram passivas. Trata-se da vida que ele não foi capaz de buscar ou arriscar.
Em razão de uma transição na revista – que deixará o modelo impresso para se tornar 100% digital – Walter Mitty tem a missão de revelar o negativo 25, enviada por um renomado e misterioso fotógrafo, interpretado por Sean Penn.
Sean O’Connell, o fotógrafo em questão, tem grande admiração pelo trabalho cuidadoso e autêntico de Mitty e, por isso, lhe manda um presente de aniversário (uma carteira), enviando também o que seria o negativo que ocupará a última capa da revista impressa.
O problema é que o negativo não veio no pacote recebido, e o prazo de impressão é bem curto. Com o novo diretor pressionando Mitty para ver a fotografia, ele precisa agir de alguma forma. Só que para piorar a situação, o fotógrafo é uma espécie de Carmem San Diego – ninguém sabe onde nem como encontrá-lo.
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O chamado à aventura
É nesse momento que algo acontece dentro de Walter Mitty – ele aceita o chamado à aventura (como na jornada do herói), embora não saiba que se trata disso. Na sua perspectiva, como um sério profissional, está apenas indo atrás da foto perdida para atender à cobrança do novo diretor. E encerrar sua carreira de maneira responsável.
O incentivo da colega de trabalho, Cheryl, por quem se aproxima por causa do negativo e segue nutrindo uma forte atração e encantamento, também contribui para sua coragem e ousadia de deixar o ordinário para trás. Cheryl representa a esperança de dias melhores (como uma virada de ciclo).
Ele embarca para a Groenlândia (endereço de envio do negativo) e a aventura começa.
O filme é tocante e introspectivo. Engraçado e descompromissado. Belo e profundo. Inspirador, às vezes exagerado, beirando o pastelão, contudo sem deixar de ser sensível.
A busca de Mitty pelo negativo 25, na verdade, representa sua própria busca pela vida, pelo sentido, por um propósito que ele não reconhece existir.
A cena dele entrando no helicóptero ao som de “Major Tom” marca o início da jornada triunfante do homem comum em alguém que se tornará extraordinário.
Quando está sobre o skate na estrada, nós estamos com ele, sentindo a liberdade e o vento no rosto, ávidos por também ser alguém em busca de sentido.
Embora estejamos do outro lado da tela, somos compelidos a também aceitar o chamado de viver!
O que a princípio parece ser uma comédia simples e exagerada, daquelas às quais estamos bem familiarizados, logo dá lugar a uma trajetória memorável sobre olhar o mundo com as lentes da esperança e da mudança, fazendo escolhas ativas, jogando-se em experiências que, sendo pequenas ou grandes, podem gerar momentos marcantes. Arriscar-se.
Simplesmente viver.
Outro paradoxo interessante é que quando sua vida se torna interessante para ser postada nas redes sociais e atrair piscadelas, ele quer apenas sentir e experimentar intensamente o que é de verdade. Mesmo estando sozinho…
A revista Life está chegando ao fim, dialogando um pouco com aquela vida que está ficando para atrás… e dando ao protagonista o desejo de significar.
Sabe aquele dia incrível que a gente guarda na memória e sorri como bobo quando se lembra dele? Só saberemos o quão incrível ele foi quando chegar ao fim. A vida não emite sinal claro de que será bom ou ruim aquele dia. É sobre isso a jornada do personagem… a jornada de muitos de nós.
E quanto à foto da capa para a última edição, que o motivou a sair de sua zona de “conforto”, se arriscar no desconhecido e adentrar noutro universo? Só assistindo para saber se ele vai conseguir resgatá-la (e afinal o que era essa quintessência)…
Se ainda não viu, o filme está disponível na Netflix e pode ser um achado de ano novo! Corre lá e feliz 2024!
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Nossa! Amei a resenha e fiquei super curiosa para assistir o filme. Faz tempo que não passo por aqui. Aproveitei o tempinho de espera da consulta e fiz essa deliciosa leitura. Obrigada Ellen Costa pela indicação!👏👏👏👏
Que bom te ver aqui, minha querida amiga. Tenho certeza que será um filme que lhe agradará e dará pensar na vida. Está na Netflix. Aproveite! 🙂