Conversando outro dia com um novo amigo pelo WhatsApp, lhe agradeci após me fazer um favor. Em seguida, ele finalizou com um simpático gracejo: “Fico contente em fazer uma moça tão bonita mais feliz”.
Quem não gosta de ouvir palavras doces, ainda mais naqueles dias em que o espelho parece travar uma guerra ferroz contra nós?
O gracejo dele – acredito que sincero – me fez lembrar do esmalte encantado… e de outras tantas histórias de não-amor que esta cronista, acreditem, protagonizou num passado recente…
Puxe uma cadeira e fique à vontade, leitor! O drama é intenso…
Tudo começou depois de uma visita ao salão de beleza…
Após fazer as unhas e deixá-las lindamente maravilhosas, talvez pela quarta ou quinta vez na vida (e isso não é uma hipérbole), saí para trabalhar. Entre uma estação e outra para cruzar a cidade, o trem foi sendo ocupado, metro a metro, mas não cheio o bastante a ponto de dois corpos ocuparem o mesmo lugar no espaço (sim, o trem contraria a física sem nenhum constrangimento).
Pois bem!
Duas ou três estações à frente, as portas novamente se abriram e novos trabalhadores (ou não) adentraram naquele universo. Um rapaz branco, de barba rala e estatura mediana, ao tomar lugar ao meu lado, esbarrou no meu pé. Coisas que acontecem. Olhei para ele (como fazemos por extinto) e ele olhou de volta para mim, desculpando-se.
– Desculpe, moça! – Olhou-me nos olhos e sorriu, fazendo uma espécie de varredura.
– Não foi nada! – Fui assertiva e continuei lendo no meu Kindle.
Permanecemos em pé, um ao lado do outro, numa distância pequena, mas segura.
Contudo, aquele esbarrão e troca de pouquíssimas palavras desencadeou nele uma motivação para ficar me olhando pelo vidro do trem (eu sei que sou bela e plena, quase irresistível), mas ele poderia pelo menos disfarçar um pouco. Não fez questão.
Estava realmente decidido a admirar meus dotes!
Além disso, pareceu-me ser do seu interesse que eu notasse seus olhos sobre mim. Não à toa, também virava o rosto na minha direção, vez ou outra, e me olhava (eu sentia seus olhos me fitando por alguns instantes, já estava levemente constrangida); ele fingia mexer no celular e novamente me encarava (ou admirava) pelo reflexo na janela.
Pessoas entravam, outras saíam, e ele se aproximava um pouco mais, reduzindo a distância física entre nós de maneira sorrateira. No trem, calor humano é normal. Não se pode reclamar!
Os olhos penetrantes e inquisitivos do rapaz sobre mim, me desconcertaram e atrapalharam minha leitura tão interessante. Mas, para minha sorte, minha estação destino estava chegando. Ufa! Quando o trem parou, eu saí pela porta oposta ao lado dele, justamente para evitar de esbarrarmos (sem querer), já que o vagão estava cheio e ficaria ainda mais.
Desci, respirei!
Caminhei alguns passos em direção a outra plataforma, aliviada por ter deixado o moço stalker para trás quando, de repente, senti uma mão tocando meu ombro de leve. Virei o corpo.
– Oi, moça. Tudo bem?
Percebi se tratar do mesmo cidadão do trem… fiquei um pouco espantada.
– Desculpe te assustar. – Ele já se adiantou a dizer, sorrindo – Mas eu não podia seguir no trem sem antes falar com você.
BOA FRASE DE EFEITO. Anotem, que pode funcionar!

– Sabe quando esbarrei no seu pé? Então, eu fiz de propósito! – Confessou – Te achei linda e queria te conhecer. Você deve ter notado que não parei de te olhar!
– Sim, notei. – Eu não sabia bem como agir.
– Então, será que poderia me passar seu WhatsApp? Eu só desço na última estação, mas desci aqui apenas para te conhecer.
SEGUNDA BOA FRASE DE EFEITO. Detalhe importante: eram 7 horas da manhã.
Eu não estava produzida para nenhum evento corporativo, festa de gala ou casamento. Aquela abordagem só tinha uma explicação aceitável e possível: o esmalte era encantado!

Pausa dramática para outra narrativa. E esta não envolve esmalte encantado… envolve supermercado encantado.
Acreditem: o trem da CPTM não é o único lugar onde esta cronista descobre fãs em potencial. E olha que sequer eu estava vestida adequadamente para a ocasião…
No supermercado com nome de país oriental, depois de um longo e cansativo dia de trabalho, corria para abastecer o carrinho de compras com os últimos itens da lista. Ao virar no corredor, um rapaz e eu quase esbarramos nossos carrinhos. Ele pediu desculpas, eu também. Sorrimos. Vida que segue.
Só que não!
Corredores à frente, fui incumbida de pegar um café, um dos últimos itens antes do caixa. Ao me dirigir ao local indicado, eis que sinto uma sombra no meu encalço. Assim que viro o corpo, lá estava o mesmo rapaz: moreno, careca e todo sorridente à minha frente.
– Ainda bem que sua mãe pediu para você vir pegar o café. Só assim eu poderia falar com você sem ela por perto. – Ele estava observando meus passos – Eu estava esperando uma oportunidade para me aproximar. – Continuou.
BOA FRASE DE EFEITO.
– Eu sou Jean, sou solteiro, moro no Vale do Sol, estou vindo do trabalho. Te achei linda quando a vi passando e gostaria de te conhecer.
Direto ao ponto como um homem de atitude precisa ser.
Eu sorri, desconcertada. Não esperava aquela abordagem. Achei até graciosa, num primeiro momento.
Outro moço que estava no mesmo corredor do café, também parou e ficou prestando atenção à abordagem do cavalheiro errante. Acho que ficou curioso para saber se ele ia ganhar a garota (ou, pelo menos, o telefone dela).
– Qual o seu nome? Sua idade? Onde mora? Tem filhos? – Disparou o interrogatório.
– O que é isso, uma entrevista de emprego? – Defendi-me.
– Não, só quero te conhecer. Você é solteira? Repito: te achei linda e queria muito te conhecer. Percebi que você é diferente e estou buscando uma namorada como você: meiga e linda.
Como ele sabe que sou meiga? (Me viu por 30 segundos)
O falante e inquisitivo moço careca não se deu por vencido. Era um profissional.
– Você não usa aliança. É solteira? Aceita tomar um suco comigo? Eu trabalho de segunda a sexta, e sábado de manhã. Mas se quiser, podemos sair no sábado à noite. O que acha? Me passa seu número!
– Me segue no Instagram. – Sugeri para ameninar a entrevista, empurrando o carrinho para outro corredor. – Em última instância, eu poderia bloqueá-lo.
– Não tenho redes sociais. Não tenho muito o que postar lá (levou os braços ao rosto como quem diz “não sou bonito para tanto”). Mas se passar seu número prometo que não vai se arrepender.
Ou ele era um homem que conhecia seu valor ou eu estava diante de um habilidoso sniper, artilheiro camisa 10 do supermercado! Dorival deveria levá-lo para a Copa.
Calma, leitor, esta aventura ainda não acabou…
Vamos para a academia porque lá também há história para contar e esta já é das antigas.
Devo dizer que meu fã musculoso parece uma criança ganhando doce quando me vê chegando para treinar. Usa um adjetivo que me valoriza com louvor: me chama de BONITONA (tenho certeza que ele não sabe meu nome) e, na dúvida, “lindona” tem um bom efeito. Neutro o bastante para não misturar as concorrentes.
Monstro, ele é dedicado aos treinos, pegando pesado e deixando seus braços fortes ainda mais fortes a cada atualização de carga. Também é trabalhador e está sempre na correria com alguns freelas como segurança nos fins de semana. Não posso reclamar (homem trabalhador anda meio em falta no mercado). Funcionário do correio, ele entrega encomendas na minha rua, inclusive. Quase todos os dias. E sempre que faz isso, lança seu gracejo de efeito. Vai que cola, né?
– Eu ainda vou casar com você. – Diz sempre quando eu desço para atendê-lo no portão.
Quando minha mãe sai na janela para ver quem é, ele comenta:
– Olha lá minha sogra. Ela sabe da gente?
Sabe da gente? Eu não sabia que estávamos juntos. ^
E quando é minha irmã quem o atende no portão, ele emenda.
– A bonitona não está em casa hoje? Nós somos amigos da academia!
“Amigos” é uma palavra forte! Ele quer dizer que me paquera na academia.
Certa vez, eu treinava próximo ao bebedouro quando ele veio abastecer sua garrafa de água. Olhou para mim, sorriu daquele jeito meio caçador, mas sempre com respeito e educação. Desta vez, tentou uma aproximação genuína para sairmos do zero a zero.
– Então você é escritora? – Indagou (deve ter perguntado para alguém que me conhecia).
– Sim, sou. – Sorri e emendei, a fim de desenrolarmos algum diálogo – Você gosta de ler?
– Não, na verdade não! – Nem pestanejou para responder.
Cri, cri. Cri, cri.
Alguns colegas a quem contei esse episódio disseram: “Pelo menos, ele foi sincero e as mulheres sempre reclamam que os homens não são sinceros”.
Ok, ok. É verdade. Mas por que ele não puxou conversa sobre outro assunto, então? Ou poderia ter perguntado alguma coisa do livro, do trabalho, da Guerra da Ucrânia, da Paz Mundial. Assim, talvez passássemos de duas frases.
Mas para ser justa, houve ainda uma nova abordagem que ultrapassou os 100 metros rasos. Quase subiu ao pódio!
Certa vez, o bombado moreno careca, chegou à academia, e eu já estava treinando. Ele trocou de roupa (estava com o uniforme do correio), vindo me cumprimentar na sequência. O mesmo se sempre, a princípio.
– Tudo bem, bonitona? – Estendeu a mão e me cumprimentou gentilmente.
– Tudo caminhando. E você?
– Sabe que ainda vai casar comigo, né?
– Vou?
Sorrimos.
Em seguida, alguns astros se alinharam no universo (ou desalinharam) e ele conseguiu algo diferente (deve ter ensaiado muito).
– Já que você é escritora, já pensou em divulgar seu livro em alguma feira ou Bienal?
Devo dizer que neste dia (o único em que me lembro) a gente conversou uns 15 minutos. Repito: 15 minutos! E ele me pareceu ter feito a lição de casa. Conseguiu desenrolar a conversa e foi até agradável. Nem tudo está perdido.
Alguns colegas ficaram impressionados quando comentei do episódio: parece que o bombado subiu no conceito geral da galera!
Depois desse dia, voltamos ao placar de sempre: duas ou três frases repetidas, os gracejos e paqueras corriqueiras. E ele segue desejando se casar comigo, ainda que nem saiba meu nome. Contando, ninguém acredita!
Leia outras histórias de Ellen Costa:
– Um filme sobre a vida (ou sobre ela passando diante de nossos olhos…)
– Algumas lutas são solitárias: resenha do filme “Sequestros de Cleveland”
– Uma canção para ela: “Como não correr atrás do vento”
Calma que esta cidadã do mundo da escrita ainda tem mais fatos “reais” para compartilhar. Eu disse que o drama era intenso.
Essa foi a primeira de todas e, possivelmente, a que desencadeou essa maré de azar digna do meu conto “Azar é pouco”… Se eu fosse superticiosa, teria acreditado que a praga realmente pegou.
Assim que publiquei meu primeiro livro, “Baque”, em 2020 (por favor, leiam, ele é incrível), comecei a participar de vários grupos de leitura, escrita, marketing e por aí vai. Era a única forma de conhecer pessoas e ganhar leitores…
Vira e mexe, como é normal no jogo do amor e das paqueras virtuais, aparecia algum desavisado puxando conversa no Facebook ou Instagram. Mas todos, até aquele dia, foram sutis e educados. Perguntavam alguma coisa sobre o livro, comentavam algo sobre literatura ou escrita, encontravam algo em comum, trabalho ou estudo, e só depois demonstravam algum grau de interesse mais direto.
Este não! Foi direto ao ponto!
Uma mensagem pulou no meu celular. Quando cliquei para ler, ela dizia: “Vi sua foto no grupo X, gostei de você e quero te conhecer melhor. Vamos sair?”.
UM HOMEM DE ATITIDE. DIRETO. QUE SABE O QUE QUER.
Eu li a mensagem, surpresa diante de tanta objetividade e, como não tinha o contato dele adicionado, cliquei na foto para ver quem era. Deparei-me com um cidadão de aproximadamente 200 kilos, com os cabelos grandes e sem corte, completamente bagunçados, como se tivesse acabado de colocar o dedo na tomada (essa parte é literal).
Pensei por 35 segundos como responder ao cavalheiro de bochecas e formas avantajadas. Mas antes que eu fosse capaz de digitar algo, ele tomou novamente a dianteira e arrematou qualquer possibilidade de avanço.
“Você leu minha mensagem e não respondeu. Muito provavelmente deve ter olhado a minha foto. ENTER. Cuidado! Quem muito escolhe, acaba sozinha!”
O cidadão ansioso e estressado por uma resposta positiva para um encontro romântico selou o destino fatídico desta cronista, lançando-lhe um feitiço cruel e perverso, quase perpétuo. Cadê meu príncipe encantado para me despertar com um beiijo de amor? Só pode estar preso no trânsito de São Paulo!
O que custava para ele, ao menos, cortar e pentear aquela cabeleira gigante? Eu não tive nem tempo de defesa. Fui acusada de um crime que não cometi, condenada, crucificada e não ressuscitei ao terceiro dia (para piorar o desfecho desta crônica).
Bela, recatada e da escrita
De forma resumida, o rapaz do trem que começou com uma abordagam simples, simpática e até coerente, escorregou feio no desfecho, tratando-me às 7h da manhã como uma garota bêbada de balada. Naufragou na investida.
O Jean do supermecado não quis apenas conversar ou me seguir no Instagram (perdeu a deixa). Quando eu disse não estar interessada, apesar de ter achado sua iniciativa boa, ele rebateu mal-humorado: “Pois me passe o número de alguma amiga solteira sua”. Sou secretária agora? Ou trabalho em agência de paquera?
O gordinho do choque de 100 volts sumiu do mapa. Provavelmente me bloqueou, após me ofender gratuitamente. Continua por aí abordando e jogando pragas terrríveis e maquiávelicas em garotas que demoram mais do que 30 segundos para respondê-lo. Será que já cortou e penteou aquele cabelo pelo menos?
Por fim, o bombado da academia segue por aqui e ali… O destino vive nos fazendo esbarrar um no outro. Será ele minha alma gêmea? Entre uma entrega de encomenda e outra, entre uma ida e outra à academia, na rua, no posto de gasolina…
– Tudo bem, BONITONA? Sabe que ainda vai casar comigo, né? – A abordagem nunca muda.
– Vou?
Quase como a menina pobre de oito anos do conto “Felicidade Clandestina” da maravilhosa Clarice Lispetor, eu sigo escrevendo crônicas, causos e acasos pelas veredas da realidade, observando a vida, ora com carinho, ora com humor deprimido, mais pelas lentes distantes da janela que de fato inserida nas suas circunstâncias, acompanhada da trilha sonora de Osvaldo Montenegro “Eu sonhava como a feia na vitrine”.
Rose Morgan me entenderia perfeitamente…
Até que Jesus volte, croniquemos! Em breve, trarei a parte 2.
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