Ela recebeu uma ligação de número desconhecido e logo ficou animada. Deixou tocar duas ou três vezes, endireitou-se na cadeira, jogou os cabelos para trás e encostou a porta para evitar barulhos que atrapalhassem a ligação. Por fim, atendeu com uma voz doce e suave.
– Alô?
– Alô! Boa tarde. Por favor, a Joana está?
– Sim, sou eu. – Disse, levemente desconfiada de que pudesse ser algum atendente de banco oferecendo um cartão de crédito maravilhoso com o primeiro ano de anuidade grátis ou algum empréstimo incrível em que você recebe R$ 2 mil reais em segundos na conta e paga R$ 7500 de volta, com a menor taxa que o banco dispõe no momento. Uma beleza de negócio!
Após ouvir a moça explicando que se tratava de uma entrevista, o coração acelerou pela expectativa do que viria pela frente. Estava há alguns meses na odisseia dolorosa e desafiadora de enviar currículos, aguardar ser chamada, passar por entrevistas, aguardar retorno (de alguns que não vinham de jeito nenhum) e continuar sorrindo e perseverando como se as contas estivessem todas em dia. Uma aventura sem igual. Sem contraindicações!
A mulher do outro lado da linha foi enfática ao dizer que a empresa possuía um programa interno de investimento no potencial de seus colaboradores e que havia vários casos lá dentro de funcionários que começaram como atendentes e em pouco tempo passaram a exercer funções de chefia com significativo reconhecimento financeiro.
Ótimo! É a oportunidade que qualquer um deseja!
Joana questionou sua interlocutora sobre a vaga e salário (já que a moça ressaltara os diversos benefícios), mas recebeu uma gentil negativa de volta. Tudo seria esclarecido na entrevista.
Ok, então. A entrevista foi agendada para dois dias depois. Pontualmente às 8h40 da manhã Joana estava lá. Mas ao contrário do que a moça dissera ao telefone, não se tratava de uma entrevista, era um processo seletivo. Havia cerca de 40 pessoas na sala à espera da mesma vaga que Joana pleiteava – e até aquele momento ela nem sabia qual era exatamente.
Veio a primeira funcionária do local recepcioná-los – a Joana e seus 39 concorrentes. Ela os conduziu até um espaço no estilo “sala de aula”, pediu que todos se sentassem nas carteiras, entregou uma ficha a cada um – pessoa por pessoa – e pediu que aguardassem mais um pouco. Segundo ela, viria outra moça orientar como a ficha deveria ser preenchida.
Não tardaram cinco minutos, adentrou uma nova mulher, bonita e sorridente (um pouco exagerada ou forçada na simpatia) que se apresentou como responsável pelo RH e orientou como o formulário deveria ser preenchido – linha a linha. Ela falou mil coisas incríveis da empresa, dizendo que lá todos tinham oportunidades de crescer, de se desenvolver, de alcançar cargos de liderança e por aí foi…
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Joana não tinha certeza, mas por alguns minutos acreditou que estava concorrendo a uma vaga na Google… ou na Apple.
Como a mulher não parava de falar um segundo, todos ali ainda levaram uns dez minutos para começar a preencher os dados na tal ficha.
Não seria mais fácil se tivesse pedido o currículo de cada um?
Outra coisa que ela repetiu 45 vezes – não há hipérbole aqui – é que todos os documentos deveriam ser colocados na ficha, inclusive PIS, data de expedição do RG, número da carteira de trabalho. Não contente em explicar e reexplicar, ela mais uma vez repetiu.
– Liguem na casa de vocês e peçam para a mãe ou irmão passar os documentos que não trouxeram, pois sem eles não conseguiremos dar andamento ao processo. Se vocês forem selecionados nas outras etapas e estiver faltando algum dado ou documento, vão perder a vaga.
De novo isso, madame?
Depois que cansou de falar igual a um papagaio e também gastar toda a sola da botinha de salto que usava desfilando de um lado para o outro (e repetindo sobre os benditos documentos), ela por fim, deixou os exímios concorrentes pela vaga de astronauta na NASA se concentrarem no preenchimento da folha.
Ufa!
Passado algum tempo, surgiu uma terceira funcionária. Essa perguntou se o tempo foi suficiente, pediu para que a turma assistisse a um vídeo institucional de 4 minutos e explicou sobre os 423 benefícios que a empresa oferecia, além de dar oportunidades para os colaboradores crescerem, alcançarem cargos de liderança e chefia e todo aquele papo floreado de minutos atrás again…
Uma coisa era visível e indiscutível ali: elas tinham um discurso extremamente alinhado, dignos de funcionárias que ou amam realmente o que fazem ou são tão bem treinadas para amar que já se convenceram disso.
Na sequência, recolheu os papéis e pediu a todos que aguardassem cerca de 20 minutos. Fariam a primeira triagem dos currículos. Tensão no ar!
Se Steve Jobs não estivesse morto, Joana estaria propensa a acreditar que a próxima pessoa a entrar naquela sala seria ele. Na ausência dele, Roberto Justus daria conta do recado.
Logo em seguida, uma quarta mulher apareceu; a quarta em menos de duas horas. Dessa vez era a moça da limpeza, também responsável por trazer copos de água individual, pacotinhos com duas bolachas e café preto na garrafa térmica. Todos poderiam se servir e ir ao banheiro se desejassem.
Fim do “recreio”, eis que surgiu uma quinta pessoa. Não é exagero desta cronista, fique claro.
Faz sentido a empresa ter 3299 funcionários se só para um processo seletivo ela dispunha de uma equipe de 15 pessoas – uma para receber as pessoas na recepção e levar até a sala; outra para entregar a ficha; outra para falar dos inúmeros benefícios de se trabalhar naquela empresa e gastar a sola do sapato andando de um lado para o outro; outra para recolher os formulários; mais uma para pedir que a turma de desempregados em busca de uma oportunidade dos sonhos como engenheiro na Thyssenkrupp esperasse mais 20 minutos e por aí vai…
Fim dos 20 minutos, deu-se início à triagem. Após dispensar uma turma que não alcançou uma nota mínima no teste de português, matemática e conhecimentos gerais, ela seguiu chamando alguns nomes e agrupando em outras salas.
E se vocês pensam que o desfile de funcionárias havia acabado naquela primeira equipe, se enganaram. Mais salas, mais pessoas. Eis que vem a responsável-mor pelo RH (superior àquela primeira das solas gastas) e a gestora responsável pelo setor para o qual aquelas pessoas seriam direcionadas – se aprovadas na entrevista em grupo e selecionadas por esta última mulher.
A responsável-mor pelo RH se mostrou simpática e gentil, enquanto a gestora da área era uma moça de poucas palavras, com semblante fechado. A primeira começou a entrevistar um a um, fazendo aquelas perguntas normais de qualquer entrevista, na sequência fazia várias anotações – dignas de um romance de mil páginas do Stephen King.
Para algumas pessoas ela perguntava sobre “por que a pessoa queria aquela vaga, por que queria trabalhar naquela empresa, por que a empresa deveria contratá-la?” e fazia questão de endossar que a instituição precisava de pessoas totalmente comprometidas e disponíveis, sobretudo porque oferecia muitas oportunidades de crescimento profissional.
Não diga!
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Vale ressaltar que o relógio já marcava meio-dia! O processo começou às 8h40 e estava caminhando para a reta final.
Depois de saírem da sala – a gestora da vaga e a responsável-mor do RH – ficou aquele “alvoroço silencioso” no local. Um olhando para o outro sem saber se seria escolhido em detrimento ao colega do lado, já que nem ao menos a quantidade de vagas para astronautas a NASA havia informado com clareza.
O que fizeram questão de deixar bem claro é que os não selecionados poderiam se aplicar a outras oportunidades em um futuro próximo. O tio Bill Gates não guardava mágoas.
Por fim, voltou a mulher do RH e apontou aqueles que se enquadravam melhor ao perfil proposto para a vaga. Dispensou seis pessoas e contratou nove.
Joana não foi selecionada. Ficaria para uma próxima oportunidade.
A vaga era para telemarketing e pagava R$ 987,00.
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