Lembrei-me outro dia que foi o Jonas quem me apresentou a série LOST (2004 a 2010), de J. J. Abrams e cia. Aliás, ele ficou me azucrinando o juízo (como dizem os antigos) para eu assistir num sábado qualquer. Eu lembro de estar super atarefada com algum trabalho da faculdade e falei que não dava para ver naquele momento.
Ele, sendo o Jonas que conhecemos bem, não se deu por vencido.
– Vamos, Juzinha, você vai gostar. Tenho certeza!
– Mas hoje eu não consigo. Tenho trabalho para fazer. Vamos deixar para o outro sábado!
– Apenas um episódio, vai! Prometo (aposto como estava com os dedos cruzados, me enganando). Todo mundo tá assistindo e gostando. Só se fala dessa série. O Douglas, o William [Moreno] e mais uma renca de gente… todos estão vibrando. Se você assistir e não gostar, eu não falo mais nada. Prometo! (de novo). Só um, vai!
Se eu insistisse no “não” pelos argumentos já citados, ele iria ficar na minha cola até Jesus voltar (o tempo seria abreviado). Por isso, acabei cedendo.
Jogamo-nos diante da TV, nos espalhamos no chão frio da pequena sala da nossa antiga casa. Estava calor, eram 14 horas. Ele, minha irmã, eu e o Douglas (não lembro agora se havia mais pessoas neste dia). E da sugestão de ver apenas um único episódio (o piloto), assistimos quatro ou cinco na sequência. Um atrás do outro, com direito a pausa apenas para ir ao banheiro. A tarde passou que nem vimos.
Detalhe: era um seriado de 40 minutos a 1 hora, se não estou enganada. Mas como a carga dramática e inquietante era tão bem construída, ficamos refém dos mistérios da ilha e das histórias – quase todas fascinantes – dos personagens apresentados.
Até hoje gosto de LOST e me pego saudosa às vezes; inclusive já reassisti duas vezes ao longo destes anos (quando tempo ainda não era um artigo de luxo na minha vida de workaholic). E se alguém aqui ousar dizer que não gosta da série ou que ela só foi boa até a terceira temporada e depois se perdeu, eu serei obrigada a concordar com a segunda parte da frase e ficar brava com a primeira. Nem fale mais comigo se estiver no primeiro grupo rs.
Depois deste dia, LOST estava sempre nas nossas conversas e programação de fim de semana. Em vez de sair para fazer algo na rua, pegar um sol, jogar bola na quadra perto de casa, preferíamos o recôndito da pequena sala lá de casa, com olhos vidrados na tela. Até nossa respiração era afetada.
Inclusive a série já estava no ar há muito tempo (nos canais por assinatura), talvez na segunda ou terceira temporada. Lembro que ele pegou o box emprestado com o William Moreno, pra gente maratonar, como se diz hoje em dia. Ainda não havia o bendito streaming, povo jovem com menos de 20 anos. E canal por assinatura era apenas para os fortes (leia-se ricos).
Conforme a série avançava, sábado e domingo já não davam mais conta da nossa euforia. Acho que nesta época o Jonas devia estar desempregado ou de licença do trabalho porque ele estava duas temporadas na minha frente, virava as noites assistindo. Mas mesmo assim, revia a série conosco aos sábados, com a vantagem de já saber o que ia acontecer em cada episódio. Até minha mãe viu alguns episódios com a gente. Não entendeu nada, mas tá valendo. Era o nosso programa de família.
Ele disse certa vez:
– O episódio de hoje você vai amar!
Bingo!
Para variar eu estava atarefada com os trabalhos da faculdade e novamente deixei a responsabilidade de lado (nunca façam isso) e cedi à chantagem emocional do Jonas. O entretenimento também é importante para a vida!
No episódio em questão, a Kate beijava o Jack pela primeira vez e de forma inesperada. E nós, telespectadores, vibramos com a cena (quase a final da Copa do Mundo). Agora deslancha o romance! Que nada! Até hoje tenho raiva da Kate porque depois disso, ela só fez o Jack sofrer. Bruxa egoísta e insensível!
Foram muitas vezes assistindo filmes, séries, comendo pipoca, pedindo pizza, jogando bola, consertando a casa, os móveis, indo ao mercado, à padaria, ao sacolão, dando risadas e levando broncas. Os meninos até apelidaram um cômodo anexo à casa de “quartinho do esporro”. E o negócio lá pegava de vez em quando!
Isso é o que vale a pena na vida. Até hoje continua sendo.
Ninguém manda ser tonta
E quando se juntava o Jonas, a minha irmã, meu irmão e o Paulo – quatro contra mim. Eles não tinham dó dessa pobre mortal. Me jogavam no moedor de carne e eu saía triturada do outro lado. Eu que lute como se diz hoje em dia.
Assim que comecei o curso de Inglês e ainda tinha muita dificuldade na pronúncia, ousei – no auge da minha inocência pueril – falar errado uma palavra “black out” (pronunciei as duas palavras separadamente). Adivinhem só! O Jonas me execrou sobre isso até não querer mais (eu me vinguei de outras formas tempos depois). Ele contava para todo mundo, me imitava, ria e ria de mim, até ficar sem fôlego. Aposto como está rindo agora de novo.
– Ninguém manda ser tonta! – Ele dizia.
Abusado!
Ele foi um garoto meio perdido, comilão e inteligente que pedia colo o tempo todo. Foi também um homem de realizações consistentes, sobretudo quando olhamos para a bela família que construiu. E ninguém pode acusá-lo de não ter vivido a vida de forma intensa. Isso ele fez.
E como disse o Paulo outro dia:
– Ele estava na melhor fase da vida.
Isso entristece, mas também consola. Ele não estava planejando para amanhã, semana que vem, ano que vem. Ele estava vivendo, realizando com força no hoje!
Como eu escrevi no primeiro texto em homenagem a ele – Hoje faz um mês que o Jonas está longe de casa… – o luto é mesmo uma coisa estranha. Não consigo definir de outra forma.
Antes era um mês. Hoje já faz 12 meses, 365 dias, sei lá quantas horas…
Quando falamos dele em casa, já não choramos mais como antes, mas seguimos melancólicas, meio desnoteadas, como se faltasse uma peça no quebra-cabeça. Desmontamos e montamos outra vez e, novamente, uma peça está faltando. Isso é mais feio do que bater na mãe por causa de bife!, ele diria.
Há dois dias lembrei que estava completando um ano de sua partida, e nesta noite coloquei as lágrimas em dia. O travesseiro que o diga!
Dona Zita, sua mãe postiça, está com bloqueio para a leitura. Já começou a ler, sei lá quantos livros, mas não consegue se concentrar para finalizar. Coincidência ou não, isso aconteceu depois do fatídico 11 de janeiro de 2022 (no aniversário dela, para marcar ainda mais a data). E sempre que recebemos alguém em casa, mesmo que a pessoa não o tenha conhecido, inevitavelmente, ela fala dele. Mostra uma foto e diz:
– Esse é o Jonas, o rapaz que nos deixou. Até hoje não acredito nisso.
E quando está mais emotiva, diz que se lembra dele encostado no balcão, entre a cozinha e sala, de pé, rindo daquele jeito espontâneo e expansivo que só ele tinha. Isso aconteceu quando veio nos visitar antes da pandemia.
O Paulo, um dos melhores amigos, vira e mexe se mostra ressentido pela situação, chateado pelo rumo que a vida tomou. Parece injusto a vida ter seguido para nós (e sem ele).
Ele disse outro dia:
– Eu sentiria a falta de qualquer um dos caras da nossa turma… Mas o Jonias tinha algo especial. Com ele, a amizade era diferente.
Creio que isso não mudará.
Se quiser saber mais sobre esse gorducho que tanto amamos, leia também:
– Quase o título de uma canção
– Anjo lindo, leia esta carta direitinho
– Hoje faz um mês que o Jonas está longe de casa…
Cedo demais
Outro dia lembrei dele no trem e mandei mensagem para a Flávia. Estava lendo uma matéria sobre música e tinha o trecho de uma canção que ele cantava lá em casa.
Meu coração, não sei por que
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim
Ele não apenas cantava, mas fazia caras e bocas na sua brilhante performance coreográfica. Um talento desperdiçado! Ri sozinha no trem.
Neste mesmo dia à noite, minha mãe disse que pensou nele o dia todo.
– Aquele sorriso lindo, todo bonito quando estava arrumado, cabelo penteado, cheiroso. Com cara de homem sério.
Parou um pouco e continuou:
– Ele devia fazer um sucesso nos hotéis quando viajava a trabalho. As meninas deviam ficar olhando para ele, paquerando-o.
Eu completei:
– A Flávia teve sorte porque ele sempre fez o estilo romântico e fiel.
Romântico e fiel. Boas palavras para defini-lo.
Talvez a música da Legião Urbana – Love in the Afternoon – seja mesmo verdade: os bons morrem antes.
É tão estranho, os bons morrem jovens
Assim parece ser quando me lembro de você
Que acabou indo embora, cedo demais
O início de 2022 foi pesado para nós – amigos que sempre o tivemos por perto, fazendo barulho, rindo, resolvendo coisas óbvias na cabeça lógica dele, mas complexas para nós – reles mortais.
Difícil para a mãe, dona Zuleide. Ela e minha mãe sempre se falam. Ela envia fotos dos netos (filhos do Jonas) toda contente e babona (como os avôs sempre são), impressionada com o quanto eles cresceram, estão inteligentes, bonitos e carinhosos.
Na segunda mensagem, de forma inevitável, desabafa:
– Ainda não acredito que meu filho não está mais aqui para ver isso. Queria tanto meu filho aqui comigo! – Mensagem finalizada com voz embargada e lágrimas.
Nós também queríamos!
A Flávia me contou outro dia que uma moça do trabalho falou sobre qualquer assunto sem importância, e ela caiu no choro. Lembrou-se dele, sentiu saudade, não conteve as lágrimas. O luto é assim!
Nós também estamos carentes dessa ausência. E às vezes somos assaltados pelo pranto que jorra sem pedir licença.
Apenas respire!
O ciclo da vida leva uns e traz outros. Propõe novos recomeços para nos ajudar no processo.
E que bom que essa virada de ciclo – de ano novo, nascimento e aniversário – entre aspas, nos dá novas oportunidades, respiros. Pelo menos nos faz olhar um pouco para nós mesmos e para o outro com mais diligência, sensibilidade, realidade, senso de urgência. Necessidade de pertencimento.
A Eliane, a boneca graciosa do Jonas e da Flávia, nascida três meses após a partida do pai, está aí para provar que é necessário continuar a jornada. Não somente ela, claro. Eduardo e Yasmim também (a Flávia está bem assistida). Mas digo que a pequena Eliane veio como um farol no meio do oceano. O resgate está chegando. Aguentem firme!
Ela possivelmente seria uma boa amiga da Eduarda – outra boneca que nasceu por esses dias, filha do William Moreno e da Cláudia. Seria aconchegante se elas mantiverem o legado de amizade como seus pais tiveram. Já pensou?
Por fim, sou daquelas que acredita que vale MUITO A PENA levar a saudade na bagagem. Uma porção gigante de saudade! Adoro parafrasear Roberto Carlos: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.
Vivemos!
Saudade é combustível para boas viagens. E que a nossa mala seja bem grande, do tamanho do nosso Jonas gorducho.
– Vai com os anjos, vai em paz
Era assim todo dia de tarde, a descoberta da amizade
Até a próxima vez,
É tão estranho
Os bons morrem antes
Me lembro de você e de tanta gente
Que se foi cedo demais
Como é bom ler sobre lembranças tão intensas vividas pelo Jonas!!! Que saudades eu tenho do meu Gordinho!!! Ele era mesmo persuasivo quando se tratava de alguma série ou anime, eu já tinha que me preparar, pq começava e não parava até ver o final com ele… Pior é que não importava sobre o que era, só de estar na sala com ele vendo QQ bobeira o tempo voava…
Você deve ter sido a vítima favorita dele. Herdou todo esse amor em grande estilo. Boas lembranças, muita saudade. Os dias voam mesmo, o tempo é implacável. Mas como é bom relembrar e carregar essa saudade na bagagem. 🙂