A irmã de Judith chegou em casa muito irritada naquele final de segunda-feira. Havia trabalhado por duas pessoas, literalmente. Como se já não bastasse sua carga horária tão puxada, ainda teve que assumir o turno da colega de recepção, de 16 anos, que deliberadamente “pediu para sair”, comunicando o chefe da empresa domingo às 23h30. Ele só foi ver a mensagem às 7h da manhã do dia seguinte e Julimara só soube da jornada dupla que faria quando assumiu o turno às 8h da manhã.
Neste momento de crise em que o país inteiro vive, com um altíssimo volume de desempregados (que varia entre 12 e 13 milhões formais dependendo do instituto de pesquisa), alguém simplesmente “abandonar o barco” sem nenhuma razão ou motivação específica é algo até surpreendente.
Nas palavras de Julimara, a colega de 16 anos “não precisava trabalhar” e estava muito confortável na condição de “filha e neta da mamãe”. Mesmo fazendo meio período de trabalho, ganhando quase um salário mínimo e tendo bem poucas responsabilidades, estava descontente em perder a tarde trabalhando, enquanto poderia estar fazendo coisas bem mais proveitosas, como jogar vídeo game, assistir novelas ou as programações da TV, atualizar fotos no Instagram ou dormir a tarde toda. Tudo muito compreensível.
– Se sua colega trabalhasse na última empresa onde trabalhei e agisse dessa maneira – comentou Judith -, com certeza seria promovida. – disse erguendo os ombros e demonstrando certo desconsolo. – Lá, quanto mais os funcionários se mostravam relapsos, manipuladores, desobedientes e incompetentes, mais valorizados eram.
Acreditem ou não, caros leitores, isso não era um eufemismo de Judith!
A última empresa em que ela trabalhou e a qual apelidou de “frigorífico Boi Magro” (concorrente da FriBoi), comportava-se como um açougue de quinta categoria, indigno até mesmo de concorrer com os da esquina de qualquer bairro de periferia.
Mas esta crônica não é sobre Julimara, sua colega desertora do trabalho ou mesmo sobre a experiência de Judith como assistente de açougueiro. É sobre a Jennifer (não a da música do Tinder), embora ela seja tão especial quanto. Essa Jennifer foi encontrada na Catho.
O resultado dos exames cardíacos de Jennifer sairiam nos próximos dias. Enquanto isso, ela oscilava entre dias bons, medianos, difíceis, desesperadores, quase em estado de surto psicótico ou tentativa de homicídio coletivo. Não tinha votado no “tio” Bolsonaro para presidente, mas já estava arrependida: uma arma de fogo, se bem usada, poderia salvar sua alma da loucura e algumas outras do purgatório! Se bem que no caso dela, precisaria ser uma bazuca!
Metáforas à parte, vocês sabiam que uma pesquisa de setembro de 2018 apontou que, a cada hora, 40 pessoas morrem em decorrência de doenças do coração? As doenças cardiovasculares são as principais causas de morte no Brasil. Isso é impressionante, sobretudo porque alcança todas as idades.
De acordo com o último levantamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), as doenças cardíacas chegam a atingir, por ano, mais de 300 mil vítimas. E Jennifer (não a da música; a do açougue) estava no radar metafórico dessa pesquisa, graças ao convívio intenso e “proveitoso” que mantinha com uma colega-chefa-mor-diretora-presidente-rainhasoberana que administrava o financeiro do frigorífico.
Por mais que se esforçasse para fazer um bom trabalho, visando colher bons resultados para o crescimento financeiro do açougue – e olha que ela era uma aprendiz dedicada do perfeccionismo patológico do Steve Jobs e do Charles Chaplin juntos – ela nunca conseguia alcançar com êxito seu intento.
Os donos do açougue – que estavam brincando de administradores de playground e que confiavam cegamente no talento-eficiência-responsabilidade-experiência- e-dedicação da colega-chefa-mor-diretora-presidente-rainhasoberana, não percebiam (ou não queriam ver por pura preguiça) que aquele barco estava prestes a colidir com um iceberg e que a pessoa à frente do leme era sequer alfabetizada.
Repito: sequer alfabetizada!
Judith já havia trabalhado e convivido com bons profissionais ao longo de sua trajetória. Mas quando conheceu Jennifer foi obrigada a rever seus conceitos sobre bons funcionários. Jennifer estava anos-luz à frente de qualquer patamar de comparação ou referência que Judith tivesse até ali.
Sim, leitores. Jennifer era uma funcionária ACIMA de qualquer média. Não só na parte técnica/operacional, mas sobretudo, na motivação, dedicação e seriedade que dava a cada coisa que fazia.
Ela não precisava de público para se exibir (para ganhar seguidores). Tendo público ou não, ela atendia muito bem cada cliente e resolvia tudo que estivesse ao seu alcance – ainda que tivesse que perder o sono, o almoço, a academia, a promoção. Ainda que tivesse que falar com o diretor omisso do açougue, com o presidente do Supremo Tribunal Federal ou até mesmo com o Papa Francisco no Vaticano. Ela corria atrás.
Michael Schumacher e Ayrton Senna poderiam ter sido os mais rápidos nas pistas de corrida no Brasil e no mundo, mas ficavam em segundo e terceiro colocados no quesito motivação. Jennifer não descia do pódio de jeito nenhum!
E para vocês entenderem bem essa motivação toda, eis alguns exemplos: ela trabalharia com salário atrasado sem reclamar; trabalharia se faltasse energia; se precisava entrar duas horas mais cedo sem receber hora extra; se precisasse assumir o posto de outro funcionário; se lhe pedissem para lavar o banheiro, atender o balcão, engraxar os sapatos dos clientes. Ah, inclusive, se ficasse até mesmo sem receber salário. Greve? Jamais!
Certa vez Judith disse a ela que “quando tivesse uma empresa, ela seria seu braço esquerdo”. E seria mesmo! O braço direito ela já tinha prometido para uma outra colega de trabalho que estava quase no mesmo nível de motivação de Jennifer.
E assim, os dias no açougue aconteciam e aconteciam. Uma rotina para lá de repetitiva e sem fim (perdoem-me pelo pleonasmo).
Jennifer atendia os clientes sempre com um sorriso largo e sincero no rosto. Apesar dos “maus tratos” que sofria nos bastidores do palco, demonstrava motivação personificada (não faço uso de hipérbole aqui). Os clientes não percebiam que aquilo era uma masmorra disfarçada de açougue e que ela, Jennifer, estava acorrentada pelos pés e pelas mãos, com uma corda no pescoço à espera do cadafalso abrir, precisando de ajuda urgente e iminente para se salvar do sacrifício. Mas enquanto o Chapolin Colorado não aparecia, a vida seguia seu curso.
Os clientes simplesmente a adoravam. Também, como não amá-la?
Jennifer acordava às 5h da manhã já pensando no ckecklist que tinha pela frente: responder tantos e-mails de pedidos para churrascos e festas, enviar informações nos grupos do WhatsApp das promoções de maminha, alcatra e contra-filé, embrulhar pedidos que seriam retirados lá, atender no balcão clientes simpáticos e estressados, atender o telefone e conseguir convencer o cliente do outro lado da linha que recebeu o pedido errado de que houve um “erro no sistema” (culpar o sistema era sempre a melhor opção), já que ela não poderia ser sincera e simplesmente dizer que a rainhasoberana havia cadastrado o endereço errado do cliente ou trocado as etiquetas na hora de liberar para o correio. O que acontecia sempre.
E o que fazer quando alguma empresa ligava para reclamar do boleto que foi errado, ou com o valor incorreto, ou com nome trocado do cliente? Era um Deus-nos-acuda sem fim. Até a faxineira, que mal sabia a diferença entre um computador e um abacaxi, entrava na dança. Todos eram responsabilizados pelo erro, à exceção, claro, da chefa-mor-diretora-presidente, que não errava jamais.
– Houve um problema no banco! – se justificava para a diretoria.
– O banco não liberou a remessa para pagamento. – outra justificativa aceitável.
– O cheque voltou porque o gerente não estava lá para autorizar o pagamento. – também colava.
– A impressora quebrou e não deu para imprimir o comprovante. – essa também passou.
– O sistema está com erro e não libera o documento. – esse sistema é uma droga mesmo.
– O Advogado ficou de verificar e não fez. – temos que trocar esse escritório de advocacia.
E a preferida e mais usada de todas:
– O cliente é um picareta. Diz que pagou, mas não pagou.
Mas você enviou o boleto para ele pagar, cara pálida? Enviou certo, na data, com o valor correto, com o nome certo do cliente?
Pensem numa funcionária EXÍMIA, DIGNA DA ADMIRAÇÃO DE ANJOS!
Na Terra ela seria digna de tomar chá com a Margaret Thatcher (se estivesse viva) ou com a chanceler alemã Angela Merkel. Com certeza esta última teria muito a aprender com a colega-chefamor-diretora-presidente-rainhasoberana. A cidadã batia todas os recordes da “burridade” (neologismo na veia), da preguiça, da falta de interesse em aprender, do desleixo latente e patológico. E mesmo sendo tecnicamente fraca e sôfrega (aos olhos dos mais desatentos), reinava como a rainha de copas naquele frigorífico de quinta.
Fazendo uma alusão política a um passado recente, o Brasil viu muitos poderosos caírem: Lula, Dirceu, Palocci, Cabral, Beto Richa, Eduardo Cunha, João Vaccari Neto e até o Temer, para citar alguns. Mas ainda não vimos um que parece tão culpado quanto os citados anteriormente, mas que parece ter o corpo blindado, apesar do helicóptero ter sido apreendido cheio de “coisinhas”: Aécio Neves. E pelo jeito, ele não era o único blindado.
Voltando para Jennifer, um colapso de nervos estava prestes acometê-la, tamanho o desgosto, vergonha e fatiga aos quais era exposta todos os dias. Eram incêndios e mais incêndios que ela apagava todos os dias, de maneira recorde, sem nenhum equipamento de proteção, nem desfrutar sequer de um seguro de vida para sua família. Talvez devesse sugerir à diretoria do açougue que mudasse seu cargo/função para bombeira de plantão.
Outra coisa que a colega-chefa-mor fazia com muita frequência e empenho genuíno, era tentar roubar, trolar, atrapalhar e dificultar o pagamento das gorjetas que Jennifer recebia. E algumas muitas vezes a cobra peçonhenta levava vantagem.
Mesmo as gorjetas sendo justas, documentadas e aprovadas pela diretoria do açougue em reunião ordinária, todo mês ela causava uma Terceira Guerra Mundial apenas e tão somente para desestimular Jennifer e deixar bem claro quem mandava ali.
O grande trunfo que ela ostentava na manga e que fazia dela a “manda-tempestade” toda-poderosa daquele espaço era seu DNA carimbado: filha do chefe!
E assim, a diretora-presidente-rainhasoberana fez todas as maldades e mesquinharias provenientes de uma alma limitada, vil e venenosa e conseguiu, inclusive, prejudicar e causar a demissão de alguns outros funcionários. E assim ia prosseguir empenhada até conseguir colocar Jennifer também na rua da amargura.
Embora os diretores do açougue Boi Magro reconhecessem o talento e o profissionalismo de Jennifer e também de outros funcionários que por lá passaram, davam carta branca, verde, amarela e azul (as cores da bandeira) para a sobrinha do Aécio Neves comandar o helicóptero.
Como dizia Bóris Casoy “Isso é uma vergonha!”.
Mas quem se importava? Os que deveriam se importar estavam para lá de satisfeitos! E a postura omissa deles era a comprovação master de que aquele lugar era realmente um celeiro fértil de idiossincrasias.
A verdade é que Jennifer não pertencia aquele lugar. Ela destoava demais de todos ali. E também é fato que ela sempre iria incomodar a colega-chefa-mor-diretora-presidente-rainhasoberana, já que em caráter e virtudes ela era 100% seu oposto.
E enquanto Jennifer fosse decente, gentil, dedicada e empenhada em fazer o seu melhor (ainda que os deficientes visuais daquele lugar não vissem ou não se importassem), sua luz ia incomodar. Mas por outro lado, as pessoas de bem que tiveram a honra e a sorte de conhecê-la tornaram-se bem mais felizes e motivadas.
Que crônica fantástica. Nem sei dizer qual parte gostei mais. Texto bem contundente!
Obrigada pelo carinho, Paula. Rir é sempre o melhor remédio, não é mesmo? Beijo! Seja bem-vinda por aqui. 🙂