Resenha do livro “Marcas de um tempo” de Valéria Xavier

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Não tenho certeza se foi ele, mas consta que Guimarães Rosa disse que “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Acho essa colocação brilhante. Lembrei-me imediatamente dela ao me deparar com a bela e dramática história narrada nas páginas de “Marcas de um tempo” da autora pernambucana Valéria Xavier. Para conhecer o livro, clique aqui.

Assim como em “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado De Assis, Valéria brincou com o narrador: suas memórias começam a partir do caixão, enquanto as pessoas velam sua partida. E como lidar com a morte é um terreno ainda arenoso (e creio que sempre será), a narrativa vai envolvendo o leitor de maneira que ele logo esquece que a protagonista está morta.

Memórias póstumas de Brás Cubas.

A trama volta lá para o início, desde a infância da narradora/protagonista, e vamos acompanhando os acontecimentos de sua família, os desafios, incompreensões e revoltas que ela encara, as conquistas, amizades e amores que vive, até que finalmente a morte encerra esse ciclo.

Como bem colocado na sinopse, trata-se de uma obra escrita para ser o legado de toda uma família. Isso porque passeia por gerações e por outras histórias, afinal, é impossível falar de alguém que foi a primogênita de 12 filhos, sem contextualizar a vida difícil e sofrida que se levava no interior de uma pequena cidade, onde as oportunidades eram poucas, as condições de vida precárias e as responsabilidades muitas e árduas – mas que pareciam não se importar muito com o fato de ela ser apenas uma garotinha.

A personagem/narradora assume um papel atuante e reflexivo em vários momentos. O que mais achei interessante foi seu olhar sobre a própria realidade que vivia. Sem meios termos. Ela é sensata e cruel consigo mesma e com os outros a seu redor. Cruel no sentido de ter opiniões formadas e não abrir mão delas. Em vários momentos demonstra revolta pela própria progenitora pelo fato da mãe ficar grávida com frequência. Uma gestação em seguida da outra numa realidade que pedia freio e medida.

“Marcas de um tempo” de Valéria Xavier.

É como se ela também gestasse todas aquelas crianças, afinal, por ser a filha mais velha, era obrigada por extensão a também ser mãe de todas elas: acompanhar quando fossem sair, levar ao médico quando necessário, ser a responsável quando iam à casa de alguém ou festas, estar por perto para evitar que entrassem em problemas corriqueiros da infância e adolescência. Isso sem falar nos afazeres domésticos que se acumulavam.

Ao mesmo tempo em que era corajosa e responsável o bastante para encarar tudo isso de cabeça erguida, também sofria o fardo de prorrogar seus sonhos. Não poderia simplesmente sair de casa e ir tentar um futuro longe dali, como alguns de seus irmãos fizeram – ao estudar ou se casar. Ela sentia que precisava ficar e dar suporte a sua mãe e pai, ainda que estes efetivamente não lhe cobrassem isso.

E ao mesmo tempo em que era forte e cheia de opiniões bem delineadas, também lutava como uma leoa pela união, bem-estar e sobrevivência de todos. Ela amava ver a família reunida e gostava de mandar e desmandar nos irmãos para que soubessem que ela estava ali.

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Foi-se a primeira pomba despertada

Em alguns momentos na narrativa eu me peguei imaginando que a protagonista era a própria autora. O fato é que ela não apenas colheu depoimentos e sentimentos de várias pessoas da família e amigos para transpor ao livro, como também se colocou no lugar de sua irmã mais velha, emprestando empatia à dor que Valdenyce muitas vezes sentiu sem nada poder fazer.

O livro é muito sensível e parece ser a história de muitas famílias do Nordeste brasileiro, daquelas que se repetiram muitas e muitas vezes, com nossos bisavós, avós e até mesmo pais. É como ler “Vidas Secas” e sentir que conhecemos Fabiano e Sinhá-Vitóra. É um relato duro, real e necessário que representa e homenageia famílias reais que lutam por sua sobrevivência todos os dias. E que vencem na vida muitas vezes.

Quando o relato de sua vida acaba, a autora traz várias homenagens: irmãos, sobrinhos e amigos entram em cena para deixar registrado o quanto Valdenyce foi importante a todos eles. Alguns conviveram mais de perto; outros nem tanto. Mas uma coisa é nítida em todas as cartas: ela não passou despercebida por ninguém.

Devo dizer, ainda, que a autora fez algumas referências literárias que eu adorei. Machado De Assis, Manuel Bandeira foram apenas alguns.

Por enquanto eu só li “Marcas de um tempo”, mas já me tornei admiradora da escrita e da sensibilidade de Valéria Xavier. A autora possui mais dois livros publicados em e-book na Amazon. “Onde tudo é passado” é seu primeiro romance e estará disponível para venda a partir do dia 03/11. Confira também “A Saga de Sete Mulheres”. Além disso, a autora também dá dicas de escrita em seu Instagram (@valeriaxavier_autora).

“Conheci” a autora em um dos grupos de literatura que faço parte no WhatsApp. Começamos a conversar, ela leu meu livro “Baque”, fez suas considerações em algumas mensagens que trocamos, e também o indicou no Instagram. De lá para cá sempre conversamos pelas redes sociais. Sinto-me até mal de ter demorado tanto para conferir seu trabalho. Seja como for, lerei outros muito em breve. Já virei fã (e isso é terrível rs).

P.S. No dia 2 de novembro é Feriado de Dia de Finados no Brasil. Que possamos nos lembrar daqueles e daquelas que foram e que ainda são especiais para nós. Só quem ama sente saudade e só quem deixa saudade é porque foi especial.

Para adquirir o livro, disponível na Amazon, clique aqui.

Mini-biografia da autora:
Valéria Vanda de Xavier Nunes nasceu em Bezerros, PE, mas vive na Paraíba. Herdou do pai o gosto pela leitura. Foi professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira por 25 anos. Amante da literatura, enveredou pelo caminho das Letras em 2006, escrevendo crônicas, ensaios e contos. Publicou como escritora independente quatro livros: Retalhos de uma vida, A saga de sete mulheres, Entre uma coisa e outra e Marcas de um tempo. O seu quinto livro “Ensaio sobre a mulher contemporânea” está no prelo em vias de ser lançado após a pandemia. Seu mais recente projeto é o livro “Onde tudo é passado”, que estará em pré-venda pela Amazona neste mês de novembro.

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Tags:, , , , , , , Last modified: 1 de novembro de 2020

Ellen Costa é o pseudônimo de Jucelene Oliveira, jornalista e escritora. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Autora dos livros "Baque: você tem coragem de descobrir a verdade?" e "Crônicas da vida real", ambos disponível em e-book na Amazon. Idealizadora do Arte de Escrever. Instagram @ellencostaescritora